Saber que não me amas
traz descanso ao meu peito
onde podes agora, sem complexos nem dramas,
encostar a tua cabeça por direito.
E eu posso beijar-te os olhos e o pescoço
apertar-te com força contra mim
sem causar qualquer destroço
sem termos em vista outro fim.
Os afectos entre nós serão mais sinceros
se desprovidos de intenções terceiras
sem nos deixarem inseguros
sem abismos nem fogueiras.
Basta dizeres as palavras certas
as que fecham o coração
sem nos tornarem pedras desertas
sem processos de fossilização.
As tuas provas de não amor
são o melhor que podes fazer
permitem-me ficar neste meu torpor
e permitem-me adormecer.
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
sábado, 20 de agosto de 2011
Poema dos coelhos selvagens
O vento bate nas jarras e derruba as flores.
Tu sonhas de noite que não as consegues apanhar
porque elas voam sempre à tua frente.
De manhã as flores não estão lá
porque os coelhos selvagens as devoraram.
Deixaram os caules e defecaram onde comeram.
As floreiras estão cobertas de fezes e a relva está morta.
Vêem-se armadilhas para coelhos até ao infinito.
As inscrições estão cheias de erros ortográficos e gramaticais
e o meu riso profano corrompe o silêncio.
Tenho vontade de cantar para contrariar isto tudo;
se ao menos soubesse tocar guitarra
tudo seria diferente.
E não há ninguém que apanhe as jarras,
não há ninguém que limpe as flores secas,
ou que troque as de plástico que debotaram com o sol.
Ao lavar o mármore a água escorreu-me para os pés,
fiquei com os dedos cobertos de areia negra.
Por mais que os lave,
por mais que os lave,
tenho os mortos agarrados aos pés.
Esta noite pensei nos coveiros.
Vão jantar os coelhos que comeram as flores dos mortos.
Tu sonhas de noite que não as consegues apanhar
porque elas voam sempre à tua frente.
De manhã as flores não estão lá
porque os coelhos selvagens as devoraram.
Deixaram os caules e defecaram onde comeram.
As floreiras estão cobertas de fezes e a relva está morta.
Vêem-se armadilhas para coelhos até ao infinito.
As inscrições estão cheias de erros ortográficos e gramaticais
e o meu riso profano corrompe o silêncio.
Tenho vontade de cantar para contrariar isto tudo;
se ao menos soubesse tocar guitarra
tudo seria diferente.
E não há ninguém que apanhe as jarras,
não há ninguém que limpe as flores secas,
ou que troque as de plástico que debotaram com o sol.
Ao lavar o mármore a água escorreu-me para os pés,
fiquei com os dedos cobertos de areia negra.
Por mais que os lave,
por mais que os lave,
tenho os mortos agarrados aos pés.
Esta noite pensei nos coveiros.
Vão jantar os coelhos que comeram as flores dos mortos.
Poema de te cair nos braços
Perdoa-me, minha querida,
não te queria assustar.
Não foi a tua voz ríspida
o que me fez chorar.
Não foi culpa tua se colapsei
e não faz diferença o que pensaste
nem foste tu que me mataste.
Eu já estava morta quando cheguei.
não te queria assustar.
Não foi a tua voz ríspida
o que me fez chorar.
Não foi culpa tua se colapsei
e não faz diferença o que pensaste
nem foste tu que me mataste.
Eu já estava morta quando cheguei.
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Poema de o mundo girar à minha volta.
Os cães estão agitados,
ouço-os ladrar lá fora
e cerro os meus olhos culpados,
já exaustos por esta hora.
A chuva de Agosto
faz-me sentir responsável
como se consequência do meu próprio desgosto,
da minha tormenta infindável.
A humidade pesa
e impede-me de respirar com normalidade.
Enquanto tudo em mim se arrevesa
a clamar pela vazão da agressividade
sei que o mundo se revoltará
sem perdão para a minha instabilidade
e a voz uníssona dos cães soará
como sentença a cumprir pela eternidade.
Se está mau tempo a culpa é minha
e é culpa minha se os cães uivam.
Atravesso o ar frio e bebo desta chuva miudinha
e quero juntar-me aos cães, eles salivam
na expectativa do que vou fazer a seguir.
Mas até os cães me julgariam louca se com eles uivasse.
Fecha os olhos e tenta ouvir.
É como se fosse eu que me lamentasse
como se eu fosse os uivos dos cães na tua rua.
E fecha os olhos se sentires que chove.
É como se fosse eu que chorasse
e é até mim que a chuva aflua
e é à minha volta que o mundo se move.
ouço-os ladrar lá fora
e cerro os meus olhos culpados,
já exaustos por esta hora.
A chuva de Agosto
faz-me sentir responsável
como se consequência do meu próprio desgosto,
da minha tormenta infindável.
A humidade pesa
e impede-me de respirar com normalidade.
Enquanto tudo em mim se arrevesa
a clamar pela vazão da agressividade
sei que o mundo se revoltará
sem perdão para a minha instabilidade
e a voz uníssona dos cães soará
como sentença a cumprir pela eternidade.
Se está mau tempo a culpa é minha
e é culpa minha se os cães uivam.
Atravesso o ar frio e bebo desta chuva miudinha
e quero juntar-me aos cães, eles salivam
na expectativa do que vou fazer a seguir.
Mas até os cães me julgariam louca se com eles uivasse.
Fecha os olhos e tenta ouvir.
É como se fosse eu que me lamentasse
como se eu fosse os uivos dos cães na tua rua.
E fecha os olhos se sentires que chove.
É como se fosse eu que chorasse
e é até mim que a chuva aflua
e é à minha volta que o mundo se move.
sábado, 23 de julho de 2011
Poema de sofrer o alento.
O meu camarote dá para a arena,
binóculos dourados auxiliam o pormenor,
observo cuidadosamente cada golpe, serena.
A lógica combate a paranóia com ardor,
a força e o medo cruzam armas,
sem que saia alguma vez um vencedor.
E no meio destas tramas
perdeu-se a verdade, oculta em olhos implacáveis,
mas tão simples, tão elementar, tão evidente,
na base pura de desejos inolvidáveis.
Foi pronunciado em voz sonora e ardente,
num instante de distracção,
despreocupado, inconsequente.
Não era mais que uma pequena culpa em admissão
não pensada e inocente.
Devia ter cuidado com o que desejo.
Devia ter cuidado com o que penso.
Devia ter cuidado com o que sinto.
Devia ter cuidado com o que vejo.
Devo ter visto coisas que não aconteceram.
Devo ter ouvido coisas que não se pronunciaram.
Devo ter sentido…
Ah, o real.
É apenas isto, genial.
O que interessa é o ritmo cardíaco,
não contes palavras, conta as pulsações.
Não será completamente ridículo
se acreditares que o sangue é o barómetro das emoções.
E a pressão nas minhas veias é perigosa,
sempre foi,
mas hoje, especialmente, sinto estranhas combustões
contorcendo-se numa agonia extremosa.
A arena revolta
abriga os corpos em decadência,
cadáveres de outro tempo
não mortos mas em dormência.
E as dúvidas que combatiam o alento,
divertem-se com a minha impaciência.
O pobre jaz agora ensanguentado
debaixo do meu olhar parado.
binóculos dourados auxiliam o pormenor,
observo cuidadosamente cada golpe, serena.
A lógica combate a paranóia com ardor,
a força e o medo cruzam armas,
sem que saia alguma vez um vencedor.
E no meio destas tramas
perdeu-se a verdade, oculta em olhos implacáveis,
mas tão simples, tão elementar, tão evidente,
na base pura de desejos inolvidáveis.
Foi pronunciado em voz sonora e ardente,
num instante de distracção,
despreocupado, inconsequente.
Não era mais que uma pequena culpa em admissão
não pensada e inocente.
Devia ter cuidado com o que desejo.
Devia ter cuidado com o que penso.
Devia ter cuidado com o que sinto.
Devia ter cuidado com o que vejo.
Devo ter visto coisas que não aconteceram.
Devo ter ouvido coisas que não se pronunciaram.
Devo ter sentido…
Ah, o real.
É apenas isto, genial.
O que interessa é o ritmo cardíaco,
não contes palavras, conta as pulsações.
Não será completamente ridículo
se acreditares que o sangue é o barómetro das emoções.
E a pressão nas minhas veias é perigosa,
sempre foi,
mas hoje, especialmente, sinto estranhas combustões
contorcendo-se numa agonia extremosa.
A arena revolta
abriga os corpos em decadência,
cadáveres de outro tempo
não mortos mas em dormência.
E as dúvidas que combatiam o alento,
divertem-se com a minha impaciência.
O pobre jaz agora ensanguentado
debaixo do meu olhar parado.
segunda-feira, 4 de julho de 2011
Poema de me roubares a ordem
O que foi leve torna-se insuportável.
Podia ter sido simples, uma doçura fugaz,
mas, descubro agora, perdura numa acidez indelével.
E a sensação de flutuar é uma memória atroz.
Tentei segurar o peso de saber a verdade
e acabei agrilhoada a uma ideia de liberdade.
Procurei com tal ardor mantê-la organizada e intacta
que não soube distinguir o limiar da obsessão
e atravessei as portas todas numa caminhada exacta.
Onde me trouxe está a danação.
Quando pensei que recuperava a nitidez no olhar
distraí-me nisso, esquecida de que haviam outros sentidos.
Foi um perfume no ar,
um sabor na minha língua,
a recordação táctil nas pontas dos dedos,
a minha humanidade completa a chiar de míngua.
E de tanto desejar o vazio,
de implorar a ausência de alma,
de sussurrar no escuro com medo do silêncio,
aprendi a derrotar o meu carcereiro.
Amor, amor,
eu tinha chegado primeiro.
Podia ter sido simples, uma doçura fugaz,
mas, descubro agora, perdura numa acidez indelével.
E a sensação de flutuar é uma memória atroz.
Tentei segurar o peso de saber a verdade
e acabei agrilhoada a uma ideia de liberdade.
Procurei com tal ardor mantê-la organizada e intacta
que não soube distinguir o limiar da obsessão
e atravessei as portas todas numa caminhada exacta.
Onde me trouxe está a danação.
Quando pensei que recuperava a nitidez no olhar
distraí-me nisso, esquecida de que haviam outros sentidos.
Foi um perfume no ar,
um sabor na minha língua,
a recordação táctil nas pontas dos dedos,
a minha humanidade completa a chiar de míngua.
E de tanto desejar o vazio,
de implorar a ausência de alma,
de sussurrar no escuro com medo do silêncio,
aprendi a derrotar o meu carcereiro.
Amor, amor,
eu tinha chegado primeiro.
sábado, 2 de julho de 2011
Da ilimitação imaginária.
Principiamos por desejar o real. Desejamos o que podemos ver. Depois de o possuirmos arriscamos imaginar o impossível. E, de repente, damos por nós a desejá-lo, damos por nós a desejar o impossível, porque podemos vê-lo na nossa mente. E dá-se um fenómeno qualquer, em que a partir do instante em que o desejamos, deixa de ser impossível.
Foi um vislumbre de qualquer coisa que nos deixou petrificados, foi um reflexo na água, um gesto pequenino que mudou a nossa concepção do universo, um tom de voz mais invulgar, um sítio qualquer onde chegámos sem saber que era para lá que estávamos a ir mas quando chegamos percebemos que não havia nenhum outro lugar onde quiséssemos mais estar. Esse deslumbramento breve deixa uma impressão gravada no corpo, qualquer coisa que se agita de vez em quando, ou para sempre, talvez se agite para sempre de vez em quando. E não sabemos como chamar a isso, porque é misterioso e não tem contornos. Não tem limites. Porque principiou por ser imaginado.
A minha imaginação é a minha maldição.
Foi um vislumbre de qualquer coisa que nos deixou petrificados, foi um reflexo na água, um gesto pequenino que mudou a nossa concepção do universo, um tom de voz mais invulgar, um sítio qualquer onde chegámos sem saber que era para lá que estávamos a ir mas quando chegamos percebemos que não havia nenhum outro lugar onde quiséssemos mais estar. Esse deslumbramento breve deixa uma impressão gravada no corpo, qualquer coisa que se agita de vez em quando, ou para sempre, talvez se agite para sempre de vez em quando. E não sabemos como chamar a isso, porque é misterioso e não tem contornos. Não tem limites. Porque principiou por ser imaginado.
A minha imaginação é a minha maldição.
terça-feira, 14 de junho de 2011
poema da voracidade da sombra
a minha sombra agiganta-se pela parede
cabelos e olhos no tecto
a boca oculta evidenciando a sede
de sair deste buraco infecto
de noites a fio à procura
de um sentido para os meus passos
se em qualquer rua escura
sinto os teus olhos escassos
a primavera não veio conforme prometido
e o canto das aves não passa de um dichote atrevido
elas vão beber do meu sangue sem se engasgar
se eu me desalmo e concedo esperar
a corrida começou antes de eu me erguer
não tive tempo para pensar
a meta agora é sobreviver
salto etapas se assim precisar
gostaria que os teus olhos me vissem correr
se o negro que tenho na sombra não te engolisse sem mastigar
cabelos e olhos no tecto
a boca oculta evidenciando a sede
de sair deste buraco infecto
de noites a fio à procura
de um sentido para os meus passos
se em qualquer rua escura
sinto os teus olhos escassos
a primavera não veio conforme prometido
e o canto das aves não passa de um dichote atrevido
elas vão beber do meu sangue sem se engasgar
se eu me desalmo e concedo esperar
a corrida começou antes de eu me erguer
não tive tempo para pensar
a meta agora é sobreviver
salto etapas se assim precisar
gostaria que os teus olhos me vissem correr
se o negro que tenho na sombra não te engolisse sem mastigar
quinta-feira, 28 de abril de 2011
Pequena memória
Abandonei toda a esperança.
Abandonei todos os vícios.
Nada sobrou da matança,
nenhuns desperdícios.
Nada sobrou do que fui ou do que esperei ser.
Apesar de tudo o que nunca se dilui
acabará por haver um nada que sobre
e reconforte esta fome destrutiva.
Separa-me da morte
o prazer ténue da memória de ser viva.
Abandonei todos os vícios.
Nada sobrou da matança,
nenhuns desperdícios.
Nada sobrou do que fui ou do que esperei ser.
Apesar de tudo o que nunca se dilui
acabará por haver um nada que sobre
e reconforte esta fome destrutiva.
Separa-me da morte
o prazer ténue da memória de ser viva.
terça-feira, 15 de março de 2011
Por acidente.
As caras confundem-se no nevoeiro, o que não tem importância porque sei exactamente onde está cada uma. Não está frio mas sinto alguma coisa a doer-me nos ossos. Só faço mover os meus olhos mas o resto move-se com eles. Estou por fora de mim e vejo o meu sorriso incontrolável. E é de mim que me estou a rir por estar fora de controlo. Sou tão engraçada quando não sei o que fazer, quando o meu corpo se move sem eu lhe pedir. E há qualquer coisa nesse movimento, esse sentimento de não poder parar mesmo que queira, que me faz querer continuar. Somos incansáveis e terrivelmente belos. Somos a coisa verdadeira, e isso brilha cá para fora. Os olhos que sorriem desfocados ora se fecham, ora olham para mim. Tenho o coração cheio dessa beleza e desejo beijar olhos de todas as cores. Os nossos cabelos estão cansados do fumo dos cigarros e eu gosto de os afagar e dizer-lhes que vai ficar tudo bem. Vai ficar tudo bem, cabelos, o resto não interessa assim tanto. Falo com as mãos porque elas dançam melhor que eu. Não sei ser feliz de outra maneira, preciso de ser feliz sem querer e a minha sorte é que tudo me parece acidental. As ideias belas surgem por acaso e eu gosto de me deixar afogar assim quando ouço uma palavra qualquer que de repente tem mais significado do que devia. Porque não hei-de sentir o silêncio que nunca se concretiza como se fosse o prémio prometido e merecido? No fim de tanta coisa poderemos calar-nos finalmente, gozar a imobilidade total e finalmente, finalmente sermos vazios. Por acaso, porque calhe, porque sim, acidentalmente, só isso. Desta vez não precisamos de ter razão para sorrir.
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
Antílope
Ah, por dentro, por dentro, de dentro.
Sempre para dentro, para o umbigo.
É na barriga que se acumulam as sensações.
Por dentro.
Tenho a barriga cheia de emoção.
Trinco pastilhas para a azia,
para apagar o fogo que me consome por dentro,
mas não se extingue.
Custa-me não confundir uma coisa com a outra.
É com esforço que separo o que é corpo do que não é.
Mas nunca chego a saber se não é.
Eu acho que é.
É físico, isto que sinto.
Sinto com o corpo.
São células e coisas científicas.
São bocados físicos de mim que ardem e se contorcem,
de emoção.
Emoção, sensação, impressão.
Coisas que sinto de forma não completamente imaginada.
Talvez isto inche quando chega ao cérebro.
Talvez ganhe dimensão com as ideias que nascem da minha barriga.
Proporcionalmente.
E as emoções ganham quase uma qualidade simétrica, geométrica, quantificável.
Hoje sinto na barriga a emoção equivalente a um antílope.
Sempre para dentro, para o umbigo.
É na barriga que se acumulam as sensações.
Por dentro.
Tenho a barriga cheia de emoção.
Trinco pastilhas para a azia,
para apagar o fogo que me consome por dentro,
mas não se extingue.
Custa-me não confundir uma coisa com a outra.
É com esforço que separo o que é corpo do que não é.
Mas nunca chego a saber se não é.
Eu acho que é.
É físico, isto que sinto.
Sinto com o corpo.
São células e coisas científicas.
São bocados físicos de mim que ardem e se contorcem,
de emoção.
Emoção, sensação, impressão.
Coisas que sinto de forma não completamente imaginada.
Talvez isto inche quando chega ao cérebro.
Talvez ganhe dimensão com as ideias que nascem da minha barriga.
Proporcionalmente.
E as emoções ganham quase uma qualidade simétrica, geométrica, quantificável.
Hoje sinto na barriga a emoção equivalente a um antílope.
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
Do saber esperar.
Às vezes penso que vou esperar para sempre. Gabo a mim mesma a minha enorme paciência mas até eu tenho momentos de dúvida. Às vezes tenho vontade de desistir, vontade de esquecer, vontade de ser egoísta para sempre. Às vezes quero procurar um prazer simples, sem quaisquer intenções nobres à mistura, sem ser maior do que ninguém, sem as presunções de uma moralidade auto-imposta. Esta vigilância constante cansa-me. É difícil ter bons sentimentos quando os faço durar tanto. A solidão torna-se confortável ao fim de algum tempo e o amor é de facto o lugar mais estranho de todos. Quando chega ao fim sinto alívio porque posso voltar a mim, voltar para mim, ao meu egoísmo, à minha solidão confortável, ao meu normal.
Claro que as leis universais não se aplicam a mim. Nem tudo se transforma. Há coisas que se perdem. Eu podia dizer que o grande amor que tenho dentro de mim se transforma nestas palavras e por isso não se perde e é valioso. Mas seria mentira. Também podia dizer que são dor. Mas também não seria verdade. A minha dor já deixou de ser dor há muito tempo e agora é apenas nostalgia. As palavras são o que são. São a minha ficção egocentrada.
Isto não quer dizer que eu não seja feliz. Sou talvez uma das pessoas mais felizes que conheço. E eu conheço-me bem, que não restem dúvidas disso só porque às vezes ainda me consigo surpreender. E mal posso esperar pela próxima grande surpresa. Mal posso esperar pelo momento em que vou perder a paciência, o momento da explosão, do desastre, da fúria devastadora, da revolução. É por esse momento de revolta contra mim mesma que espero. Pacientemente, espero pelo momento em que não vou esperar mais.
Claro que as leis universais não se aplicam a mim. Nem tudo se transforma. Há coisas que se perdem. Eu podia dizer que o grande amor que tenho dentro de mim se transforma nestas palavras e por isso não se perde e é valioso. Mas seria mentira. Também podia dizer que são dor. Mas também não seria verdade. A minha dor já deixou de ser dor há muito tempo e agora é apenas nostalgia. As palavras são o que são. São a minha ficção egocentrada.
Isto não quer dizer que eu não seja feliz. Sou talvez uma das pessoas mais felizes que conheço. E eu conheço-me bem, que não restem dúvidas disso só porque às vezes ainda me consigo surpreender. E mal posso esperar pela próxima grande surpresa. Mal posso esperar pelo momento em que vou perder a paciência, o momento da explosão, do desastre, da fúria devastadora, da revolução. É por esse momento de revolta contra mim mesma que espero. Pacientemente, espero pelo momento em que não vou esperar mais.
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Ser Humano
É neste estranho estado que tudo acontece.
É nesta estranha posição que as coisas vão ao lugar.
É neste ritmo incerto que os pensamentos se alinham.
Funções vitais tão irregulares como o espírito.
Ou como a mente.
Ou como se deva dirigir-se-lhe.
Ao que é vital mas não orgânico.
Dores que se confundem.
Órgãos internos danificados.
Não.
Corrijo.
Órgãos internos defeituosos.
As formas estão trocadas.
O que devia ser redondo é achatado.
Parcialmente achatado.
Uma coisa funciona mais devagar do que devia.
Outra coisa atropela-se a si mesma.
Por dentro, tudo aos tropeções.
Por fora, os relevos alteram-se.
Por dentro, o que é carne, é real mas apenas imaginado.
Por fora, o que é carne, é apenas real.
A pele faz as vezes de cobertor.
Mas não esconde nada.
As unhas e os cabelos fazem doer enquanto crescem.
Estranhamente, é uma metáfora.
Os dias passam e somam-se.
Os corpos vão-se somando.
Subtrai-se a diferença.
Clarifico.
Subtrai-se o que faz diferença.
Conta simples.
Resultado estranho.
Sentem-se os dias a sair dos corpos.
Vêem-se.
E como tudo fica claro assim.
É estranho ser humano.
É nesta estranha posição que as coisas vão ao lugar.
É neste ritmo incerto que os pensamentos se alinham.
Funções vitais tão irregulares como o espírito.
Ou como a mente.
Ou como se deva dirigir-se-lhe.
Ao que é vital mas não orgânico.
Dores que se confundem.
Órgãos internos danificados.
Não.
Corrijo.
Órgãos internos defeituosos.
As formas estão trocadas.
O que devia ser redondo é achatado.
Parcialmente achatado.
Uma coisa funciona mais devagar do que devia.
Outra coisa atropela-se a si mesma.
Por dentro, tudo aos tropeções.
Por fora, os relevos alteram-se.
Por dentro, o que é carne, é real mas apenas imaginado.
Por fora, o que é carne, é apenas real.
A pele faz as vezes de cobertor.
Mas não esconde nada.
As unhas e os cabelos fazem doer enquanto crescem.
Estranhamente, é uma metáfora.
Os dias passam e somam-se.
Os corpos vão-se somando.
Subtrai-se a diferença.
Clarifico.
Subtrai-se o que faz diferença.
Conta simples.
Resultado estranho.
Sentem-se os dias a sair dos corpos.
Vêem-se.
E como tudo fica claro assim.
É estranho ser humano.
sábado, 20 de novembro de 2010
Bom dia, e um sorriso.
Bom dia, e um sorriso. Bom dia, sorriso. Mais um. Passo rápido, às vezes abrando para sorrir melhor, outras não é necessário, sorriso veloz. Bom dia e um sorriso ao sair, bom dia e um sorriso ao entrar. E ao sair outra vez. E ao entrar, se lá está alguém. Às vezes olá em vez de bom dia. Não importa. O que conta é o sorriso. É nele que está o segredo. É nele que está a urgência. Sorrir a alguém, não importa quem, sorrir a quem não conheço. Como se os outros precisassem mais do meu sorriso do que eu mas eu ganhasse uma recompensa qualquer. E há qualquer coisa que o meu sorriso transporta até à outra pessoa, não importa quem, e há qualquer coisa que volta para mim no sorriso dessa pessoa. Não podemos guardar os sorrisos dos outros, é preciso devolvê-los. Mas receio esquecer-me de algum. Terei esquecido algum sorriso? Terei roubado o sorriso a alguém sem o saber e agora não sei de quem é para o poder devolver? Terei roubado o sorriso a alguém por maldade e depois esquecido que o guardei porque não gosto de pensar que sou má? Alguém terá ficado com um sorriso meu e se esqueceu de o devolver, ou não teve tempo, ou não viu, ou não percebeu que era a sua vez, ou não sabia como, ou teve medo, ou quis ficar com ele por qualquer razão, porque sim, porque não? E começo a pensar que me faltam bocados, e que esses bocados andam perdidos nos sorrisos, na rua, nos olhos das pessoas, em segredo. E tento desvendar essas coisas, à cautela, e procuro, com um sorriso, como quem não quer a coisa, mas quero, quero sorrir, como se disso dependesse a minha vida, como se no dia em que eu não sorrir a ninguém pudesse ser o dia em que vou morrer. E quando chego fecho a porta e sei que não estou a sorrir, vou à procura de um espelho e sorrio para mim e devolvo o sorriso a mim própria ao mesmo tempo e há outra vez qualquer coisa que passa para trás e para a frente ao mesmo tempo e sou apenas eu, sou eu que passo para trás e para a frente, às voltas comigo mesma, à procura de qualquer coisa que não sei onde perdi ou sequer se cheguei a encontrar, se cheguei a possuir, porque não sei o que é, nunca vi, nunca percebi, mas faz-me falta não sei porquê. Não sei explicar o porquê desta necessidade mas faço a vontade a mim própria e continuo a sorrir, todos os dias a sorrir, como se disso dependesse a minha vida, com a sobrevivência no sorriso, a vida. Mas quando penso assim nos meus sorrisos, quando a necessidade não é de sorrir mas de explicar o porquê da necessidade de sorrir, o porquê da vontade de sorrir, o porquê de sorrir tanto, não consigo evitar, fico um pouco triste. Não consigo evitar, porque vejo estranheza em tudo.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Poema de não conseguir parar
não consigo parar
é como se a qualquer momento
as palavras fossem rebentar
boca fora
e eu não as pudesse travar
vejo-me tentar
cobrir a boca com as duas mãos
olhos esbugalhados
pânico de o dizer
pânico de me ouvir
pânico de que me ouças
ou de que não entendas
de que me saiam apenas gemidos abafados
entrecortados
ou gritos ininteligíveis
esganiçados
se a luz do dia mostrar o que eu quero esconder
(não, não
por favor, não)
está-me nos olhos nebulosos
prestes a cair
a todo o momento
está-me nas mãos nervosas
prestes a saltar
a todo o momento
e eu não consigo
não consigo parar
fico num coma simulado
para não mostrar nada
para não denunciar nada
porque qualquer movimento é perigoso
qualquer palavra é potencialmente desastrosa
preciso fazer-me de morta
para não ser comida viva
pelas palavras
elas tentam engolir-me
submergem-me
afogam-me
e não são as palavras
é o que está por detrás delas
em silêncio
no escuro
mas quer sair cá para fora
o silêncio quer sair
o escuro quer sair
cabeça fora
palavras fora
boca fora
olhos fora
mãos fora
corpo fora
tudo fora
morro aqui
é como se a qualquer momento
as palavras fossem rebentar
boca fora
e eu não as pudesse travar
vejo-me tentar
cobrir a boca com as duas mãos
olhos esbugalhados
pânico de o dizer
pânico de me ouvir
pânico de que me ouças
ou de que não entendas
de que me saiam apenas gemidos abafados
entrecortados
ou gritos ininteligíveis
esganiçados
se a luz do dia mostrar o que eu quero esconder
(não, não
por favor, não)
está-me nos olhos nebulosos
prestes a cair
a todo o momento
está-me nas mãos nervosas
prestes a saltar
a todo o momento
e eu não consigo
não consigo parar
fico num coma simulado
para não mostrar nada
para não denunciar nada
porque qualquer movimento é perigoso
qualquer palavra é potencialmente desastrosa
preciso fazer-me de morta
para não ser comida viva
pelas palavras
elas tentam engolir-me
submergem-me
afogam-me
e não são as palavras
é o que está por detrás delas
em silêncio
no escuro
mas quer sair cá para fora
o silêncio quer sair
o escuro quer sair
cabeça fora
palavras fora
boca fora
olhos fora
mãos fora
corpo fora
tudo fora
morro aqui
Poema de um breve sorriso
sorri
enquanto podes
brevemente deixarás de ter coragem
brevemente entrará o negro
brevemente poderás ver
a verdade por detrás do sorriso
a inocência enganosa
a doçura perversa
as garras cor-de-rosa
as presas afiadas
os espinhos à flor da pele
o negrume dos olhos
por entre o cândido verde
está no centro
o núcleo incendiário
sedento de devastação
está por dentro
a teia de arame farpado
os nós sinistros
que não vêm nos livros
ou em qualquer ilustração
brevemente os cabelos ao vento
estarão carregados de electricidade
brevemente as delicadas mãos
estarão crispadas nos braços de uma cadeira
brevemente esse sorriso
vai esgotar-se
vai esgotar-me
vai esgotar-se-me
até quando ficarás sem ver?
até quando poderás não sentir?
até quando acreditarás não ser?
até quando poderás sorrir?
brevemente
brevemente, coração.
enquanto podes
brevemente deixarás de ter coragem
brevemente entrará o negro
brevemente poderás ver
a verdade por detrás do sorriso
a inocência enganosa
a doçura perversa
as garras cor-de-rosa
as presas afiadas
os espinhos à flor da pele
o negrume dos olhos
por entre o cândido verde
está no centro
o núcleo incendiário
sedento de devastação
está por dentro
a teia de arame farpado
os nós sinistros
que não vêm nos livros
ou em qualquer ilustração
brevemente os cabelos ao vento
estarão carregados de electricidade
brevemente as delicadas mãos
estarão crispadas nos braços de uma cadeira
brevemente esse sorriso
vai esgotar-se
vai esgotar-me
vai esgotar-se-me
até quando ficarás sem ver?
até quando poderás não sentir?
até quando acreditarás não ser?
até quando poderás sorrir?
brevemente
brevemente, coração.
Gelo
gelo
à superfície
gelo
cola e queima
ousaste tocá-lo
e não te podes libertar
ou rasgas a tua pele
a tua pele pela tua vida
a pele pelo coração
gelo
arde e corta
queima e rasga
prende e mata
chora pela tua vida
chora pela tua pele
salva a tua pele
e chora
para te libertares
o calor das lágrimas
é a única coisa
a salvar o teu coração
do gelo
à superfície
gelo
cola e queima
ousaste tocá-lo
e não te podes libertar
ou rasgas a tua pele
a tua pele pela tua vida
a pele pelo coração
gelo
arde e corta
queima e rasga
prende e mata
chora pela tua vida
chora pela tua pele
salva a tua pele
e chora
para te libertares
o calor das lágrimas
é a única coisa
a salvar o teu coração
do gelo
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
As coisas simples.
Quando eu era criança, tinha várias formas de me entreter. Como todas as outras crianças descobria o fascínio das coisas simples. O meu simples respirar era uma coisa complexa e deslumbrante. Podia inspirar depressa ou devagar, experimentando o excesso ou a falta de oxigénio, podia respirar pelo peito, pela barriga e até pela cabeça ou pelos pés. Dormir também não era apenas dormir. Sentia-me grata pela facilidade com que adormecia e por esta ser igual àquela com que acordava. Antes de fechar os olhos, deitada, sentia o sangue percorrer o meu corpo todo, incrivelmente feliz por poder senti-lo, no escuro. De manhã, surpreendia-me com os sonhos extraordinários que tinha sonhado enquanto dormia. E por tudo isto, gostava de dormir. Era algo de grandioso, dormir.
Agora, às vezes, deixo-me afundar na complexidade de algumas coisas. Às vezes, perco-me numa espécie de labirinto de mim mesma. E ouço alguém dizer que gostava de voltar ao tempo em que as coisas eram simples. E eu penso, quando é que as coisas alguma vez foram simples? Se o mais pequeno gesto, a mais insignificante realidade, estiveram sempre carregados de um significado esmagador? Se respirar nunca foi apenas respirar nem dormir foi apenas dormir? Se eu nunca pude fazer nada sem pensar, aterrorizada, nas consequências irremediáveis que iria sofrer? Como se segurar num copo de determinada maneira pudesse mudar a minha vida para sempre. E pode. Claro que pode.
Eu sei que nunca haverá um tempo em que as coisas serão simples. E não é isso que me assusta. A não ser nos raros momentos de fraqueza. Porque tudo se torna tão mais interessante. E torna-se tudo tão valioso e insubstituível. Mas é que, às vezes, essas em que tenho medo, essas em que racionalmente admito a minha fragilidade, às vezes receio não conseguir sobreviver à intensidade de esperar que o metro chegue, ou que o meu coração ceda enquanto mexo o açúcar no fundo de uma chávena.
Agora, às vezes, deixo-me afundar na complexidade de algumas coisas. Às vezes, perco-me numa espécie de labirinto de mim mesma. E ouço alguém dizer que gostava de voltar ao tempo em que as coisas eram simples. E eu penso, quando é que as coisas alguma vez foram simples? Se o mais pequeno gesto, a mais insignificante realidade, estiveram sempre carregados de um significado esmagador? Se respirar nunca foi apenas respirar nem dormir foi apenas dormir? Se eu nunca pude fazer nada sem pensar, aterrorizada, nas consequências irremediáveis que iria sofrer? Como se segurar num copo de determinada maneira pudesse mudar a minha vida para sempre. E pode. Claro que pode.
Eu sei que nunca haverá um tempo em que as coisas serão simples. E não é isso que me assusta. A não ser nos raros momentos de fraqueza. Porque tudo se torna tão mais interessante. E torna-se tudo tão valioso e insubstituível. Mas é que, às vezes, essas em que tenho medo, essas em que racionalmente admito a minha fragilidade, às vezes receio não conseguir sobreviver à intensidade de esperar que o metro chegue, ou que o meu coração ceda enquanto mexo o açúcar no fundo de uma chávena.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Poema da página em branco.
Lembras-me uma página em branco.
Ou esta página, quando estava em branco,
lembrou-me de ti.
Não creio que seja a página em si.
A página não é importante,
nem o facto de estar em branco,
nem o que escrevi entretanto.
O que interessa aqui
é que me lembrei de ti.
Ou esta página, quando estava em branco,
lembrou-me de ti.
Não creio que seja a página em si.
A página não é importante,
nem o facto de estar em branco,
nem o que escrevi entretanto.
O que interessa aqui
é que me lembrei de ti.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Poema do equilíbrio no Mundo.
Há quotas para tudo,
neste Mundo.
Talvez até as gargalhadas estejam contadas
e inequivocamente distribuídas.
De uma maneira ou de outra,
as quotas têm de ser preenchidas,
todos os dias.
Curei as tuas feridas.
Mas ao trazer-te paz
precisei de sofrer para apaziguar as quotas do Mundo.
Por me rir contigo
fui obrigada a chorar sozinha.
Por sorrir quando te vejo
o meu olhar sobre o rio é triste.
Porque descobri a cor dos teus olhos,
agora as flores não me cheiram a nada.
Mas troco qualquer perfume
por um olhar teu.
Tenho tanto para dar
que me assusta o que posso perder.
Se eu beber das tuas lágrimas
poderão elas matar-me?
Talvez o que tu tens para me dar
possa equilibrar a quota da coragem
que eu ainda não preenchi.
Ou talvez tudo isto
seja um pequeno preço a pagar
por me perder em ti.
neste Mundo.
Talvez até as gargalhadas estejam contadas
e inequivocamente distribuídas.
De uma maneira ou de outra,
as quotas têm de ser preenchidas,
todos os dias.
Curei as tuas feridas.
Mas ao trazer-te paz
precisei de sofrer para apaziguar as quotas do Mundo.
Por me rir contigo
fui obrigada a chorar sozinha.
Por sorrir quando te vejo
o meu olhar sobre o rio é triste.
Porque descobri a cor dos teus olhos,
agora as flores não me cheiram a nada.
Mas troco qualquer perfume
por um olhar teu.
Tenho tanto para dar
que me assusta o que posso perder.
Se eu beber das tuas lágrimas
poderão elas matar-me?
Talvez o que tu tens para me dar
possa equilibrar a quota da coragem
que eu ainda não preenchi.
Ou talvez tudo isto
seja um pequeno preço a pagar
por me perder em ti.
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Poema de atormentar o coração.
Sinto o meu coração a dilatar e a encolher.
Sinto-o contrair e sinto-o expandir nas minhas mãos,
como um brinquedo de borracha.
E o meu coração é maleável, é moldável.
Brinco com ele como quem brinca com as palavras
imaginando sentir coisas, ensaiando tentativas,
como se lhe atasse fios invisíveis
para o controlar, para o manipular.
Assusto-me.
Tenho medo de mim e do meu coração mutante.
Sinto o meu corpo todo pulsar,
no centro o coração, como uma bomba-relógio,
como se o meu tempo fosse acabar a qualquer momento
e esse momento estivesse cada vez mais perto,
cada vez mais perto,
cada vez mais perto,
cada vez mais perto,
- e está, eu sei,
aflitivamente, sei -
sem que eu tivesse tempo de sentir tudo o que queria.
Nunca tive tempo,
não me deram tempo,
não me deram o que eu queria,
não me deixaram sentir,
não me fizeram sentir
e eu perdi tempo,
perdi-me,
não me deixei sentir,
não deixei que me sentissem
e não deixo,
nunca,
eu sei.
Parece que esgotei o meu sentir
nuns quantos momentos da minha vida inteira,
e que já não posso voltar a sentir-me assim
porque esses momentos já passaram.
E eu vejo os lugares, vejo as pessoas,
e é como se contasse uma história a mim mesma,
antes de ir dormir.
Uma história de quanto eu amei, de quanto eu sofri,
de quanto eu chorei, de quanto eu vivi,
de quanto eu gritei de todas as vezes que morri.
De amor.
E o meu coração enrola-se a um canto
e quer dormir, mas eu não permito,
não lhe dou sossego, não o deixo em paz.
Obrigo-o a pensar. Analiso-o
e tento fazê-lo fazer-me compreender
e tento fazê-lo compreender-me,
a mim e às minhas razões,
chocalho-o e agito-o no ar,
e grito com ele e faço-o chorar,
digo-lhe a verdade e forço-o a ver.
E escrevo-lhe poemas para ele não se esquecer.
Sinto-o contrair e sinto-o expandir nas minhas mãos,
como um brinquedo de borracha.
E o meu coração é maleável, é moldável.
Brinco com ele como quem brinca com as palavras
imaginando sentir coisas, ensaiando tentativas,
como se lhe atasse fios invisíveis
para o controlar, para o manipular.
Assusto-me.
Tenho medo de mim e do meu coração mutante.
Sinto o meu corpo todo pulsar,
no centro o coração, como uma bomba-relógio,
como se o meu tempo fosse acabar a qualquer momento
e esse momento estivesse cada vez mais perto,
cada vez mais perto,
cada vez mais perto,
cada vez mais perto,
- e está, eu sei,
aflitivamente, sei -
sem que eu tivesse tempo de sentir tudo o que queria.
Nunca tive tempo,
não me deram tempo,
não me deram o que eu queria,
não me deixaram sentir,
não me fizeram sentir
e eu perdi tempo,
perdi-me,
não me deixei sentir,
não deixei que me sentissem
e não deixo,
nunca,
eu sei.
Parece que esgotei o meu sentir
nuns quantos momentos da minha vida inteira,
e que já não posso voltar a sentir-me assim
porque esses momentos já passaram.
E eu vejo os lugares, vejo as pessoas,
e é como se contasse uma história a mim mesma,
antes de ir dormir.
Uma história de quanto eu amei, de quanto eu sofri,
de quanto eu chorei, de quanto eu vivi,
de quanto eu gritei de todas as vezes que morri.
De amor.
E o meu coração enrola-se a um canto
e quer dormir, mas eu não permito,
não lhe dou sossego, não o deixo em paz.
Obrigo-o a pensar. Analiso-o
e tento fazê-lo fazer-me compreender
e tento fazê-lo compreender-me,
a mim e às minhas razões,
chocalho-o e agito-o no ar,
e grito com ele e faço-o chorar,
digo-lhe a verdade e forço-o a ver.
E escrevo-lhe poemas para ele não se esquecer.
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
De me lembrar das coisas.
Estive a pensar em ti, mais uma vez, e a lembrar-me de coisas pequenas, de pormenores soltos. Gostava que pudesses fazer o mesmo. Gostava que tivesses uma memória igual à minha, para te lembrares de tudo o que eu disse e com que intenção. Para te lembrares do que eu tinha vestido quando o disse e quais os gestos que fiz. Acho que se tivesses uma memória como a minha me terias amado mais. Talvez me tivesses conhecido melhor, compreendido melhor. Imagino que te lembres vagamente do meu cheiro e da cor dos meus olhos. Mas queria que te lembrasses do resto. Que as minhas palavras te ressoassem nos ouvidos e no coração. Não eram apenas pistas, não eram simples divagações. Eram ideias claras, mapas, bússolas, barómetros. Desenhei com nitidez tudo o que sentia para tu poderes ver. Mas não te consegues lembrar. Ficou-te uma vaga ideia. E eu lembro-me de todas as revelações, de todos os indícios, de todos os pressentimentos, de tudo o que tentaste dizer e tudo o que eu pude adivinhar em reticências inconsequentes. Talvez por isso eu soubesse amar tanto e tão bem. Talvez por isso eu saiba amar melhor. Sinceramente.
Claro que também me lembro de coisas tristes, mas depois de terem passado e serem apenas memórias, fazem-me sorrir. Mesmo as tristes. E claro que às felizes também sorrio. É por isso que às vezes pareço tola, de tanto me rir sozinha. É que me lembro de tudo e há sempre qualquer coisa a acordar em mim a cada momento. E eu rio, apenas. E é bom, e eu gosto de me lembrar de ti. Mas se me lembrar mais do que um bocadinho, se tiver tempo para me ficar a lembrar de ti uma tarde inteira, o sorriso torna-se amargo, azeda-me na boca. Porque sei que me lembro sozinha. E já era assim antes. Antes do fim. O fim, que nunca é bem um fim, tu sabes. Comigo nunca nada é uma coisa só. Talvez por isso te tenhas perdido, nas bifurcações. Quando me doer a cara de tanto me lembrar de ti, hei-de procurar-te, outra vez. Para te fazer lembrar um bocadinho, mesmo sabendo que a ti te custa. Mas é importante que lembres. Para que as coisas não percam o sentido. Para que saibas porquê. Para que compreendas melhor. Para que compreendas que o teu amor é simples de mais para mim. Para que compreendas que não basta amares o meu cheiro e a cor dos meus olhos, ou uma vaga ideia de mim. Mas mesmo que não compreendas, eu perdoo-te. Já perdoei antes. E vou continuar a lembrar-me de quem tu és debaixo disso tudo, mesmo que já não te lembres de me teres mostrado.
Claro que também me lembro de coisas tristes, mas depois de terem passado e serem apenas memórias, fazem-me sorrir. Mesmo as tristes. E claro que às felizes também sorrio. É por isso que às vezes pareço tola, de tanto me rir sozinha. É que me lembro de tudo e há sempre qualquer coisa a acordar em mim a cada momento. E eu rio, apenas. E é bom, e eu gosto de me lembrar de ti. Mas se me lembrar mais do que um bocadinho, se tiver tempo para me ficar a lembrar de ti uma tarde inteira, o sorriso torna-se amargo, azeda-me na boca. Porque sei que me lembro sozinha. E já era assim antes. Antes do fim. O fim, que nunca é bem um fim, tu sabes. Comigo nunca nada é uma coisa só. Talvez por isso te tenhas perdido, nas bifurcações. Quando me doer a cara de tanto me lembrar de ti, hei-de procurar-te, outra vez. Para te fazer lembrar um bocadinho, mesmo sabendo que a ti te custa. Mas é importante que lembres. Para que as coisas não percam o sentido. Para que saibas porquê. Para que compreendas melhor. Para que compreendas que o teu amor é simples de mais para mim. Para que compreendas que não basta amares o meu cheiro e a cor dos meus olhos, ou uma vaga ideia de mim. Mas mesmo que não compreendas, eu perdoo-te. Já perdoei antes. E vou continuar a lembrar-me de quem tu és debaixo disso tudo, mesmo que já não te lembres de me teres mostrado.
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