terça-feira, 15 de março de 2011

Por acidente.

As caras confundem-se no nevoeiro, o que não tem importância porque sei exactamente onde está cada uma. Não está frio mas sinto alguma coisa a doer-me nos ossos. Só faço mover os meus olhos mas o resto move-se com eles. Estou por fora de mim e vejo o meu sorriso incontrolável. E é de mim que me estou a rir por estar fora de controlo. Sou tão engraçada quando não sei o que fazer, quando o meu corpo se move sem eu lhe pedir. E há qualquer coisa nesse movimento, esse sentimento de não poder parar mesmo que queira, que me faz querer continuar. Somos incansáveis e terrivelmente belos. Somos a coisa verdadeira, e isso brilha cá para fora. Os olhos que sorriem desfocados ora se fecham, ora olham para mim. Tenho o coração cheio dessa beleza e desejo beijar olhos de todas as cores. Os nossos cabelos estão cansados do fumo dos cigarros e eu gosto de os afagar e dizer-lhes que vai ficar tudo bem. Vai ficar tudo bem, cabelos, o resto não interessa assim tanto. Falo com as mãos porque elas dançam melhor que eu. Não sei ser feliz de outra maneira, preciso de ser feliz sem querer e a minha sorte é que tudo me parece acidental. As ideias belas surgem por acaso e eu gosto de me deixar afogar assim quando ouço uma palavra qualquer que de repente tem mais significado do que devia. Porque não hei-de sentir o silêncio que nunca se concretiza como se fosse o prémio prometido e merecido? No fim de tanta coisa poderemos calar-nos finalmente, gozar a imobilidade total e finalmente, finalmente sermos vazios. Por acaso, porque calhe, porque sim, acidentalmente, só isso. Desta vez não precisamos de ter razão para sorrir.