terça-feira, 29 de setembro de 2009

Poema dos meus fantasmas

Nunca estive satisfeita
porque tive sempre medo
do que podia vir a encontrar.
Nunca nada me satisfez
porque nunca conheci tudo
do que há para encontrar.

Tive sempre medo de amar
porque podia descobrir
um amor mais verdadeiro.
Tive sempre medo de viver
porque podia descobrir
que desperdicei a vida.
Tive sempre medo de ser boa
porque podia descobrir
que podia ter sido melhor.
Tive sempre medo de vencer
porque podia descobrir
que nunca tive nada.
Tive sempre medo de sorrir
porque podia descobrir
todas as razões do mundo para chorar.
Tive sempre medo de chorar
porque podia descobrir
que podia ter sido feliz.
Tive sempre medo de ser feliz
porque podia descobrir
que era mentira.
Tive sempre medo de acreditar
porque podia descobrir
que estava enganada.
Tive sempre medo de duvidar
porque podia descobrir
que era tudo verdade.
Tive sempre medo de andar
porque podia descobrir
que devia ter corrido.
Tive sempre medo de correr
porque podia descobrir
muito onde tropeçar.
Tive sempre medo de dançar
porque podia descobrir
como pisar os meus próprios pés.
Tive sempre medo de lutar
porque podia descobrir
que não valia a pena.
Tive sempre medo de ter pena
porque podia descobrir
que era de mim.
Tive sempre medo de mostrar quem sou
porque podia descobrir
que sou feia.
Tive sempre medo de estar acompanhada
porque podia descobrir
que estive sempre sozinha.
Tive sempre medo de sonhar
porque podia descobrir
a verdade nos sonhos.

Como se tudo o que eu pudesse conhecer
fossem apenas fantasmas
do que podia vir a ser.
Ou do que é.
Mas nada é o que podia ser.
E é tudo meu.

Não és tu.
Sou eu.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Poema de escrever um poema

quero escrever um poema
que se escape de mim
que se escape de si
que me fuja das mãos
que me fuja das páginas
e que vá parar aos lábios de alguém que o diga
sem se lembrar de onde o leu
sem se lembrar de quem o escreveu
sem se lembrar de quem pensou que podia escrever
para alguém se lembrar do que escreveu
e que o diga por se lembrar das palavras
escritas e pensadas e fugidas
só porque elas querem dizer alguma coisa
diferente do que pensou quem as escreveu
mas que ocorrem à memória de quem as leu
e à de quem as ouviu quando ele as disse
e depois escreveu outras
que não são as mesmas
mas nasceram delas
e assim criando uma obra criadora por ela mesma.
e livre. uma obra livre.
como eu escrevi agora estas palavras
por ouvir alguém que não conheço
dizer alguma coisa
agora transformada nesta coisa,
nestas palavras que são livres,
que a partir do momento em que as escrevo
deixam de estar presas a mim.
que sejam livres
e eu liberte no papel
tudo o que tenho pensado e ouvido e lido
e tudo o que tenho para pensar e ouvir e ler
e tudo o que valha a pena ser lido e ouvido e repetido
e assim por diante
até que nada fique por dizer
nem por ouvir
nem por escrever.