terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Cardiopatia

De novo o frio. Dez anos de introspecção e uma breve aventura pelo calor humano. Calorosidade. Abraços, beijos, risos e conversas íntimas. O toque. Amar o próximo. Entreajuda. Eu dou e recebo. Tu recebes e devolves. Alguns anos de trocas simbólicas de afectos e objectos. Eventualmente anulam-se. Demasiadas desilusões. Evitar ser arrogante esperando dos outros o que é natural para nós, ou parece ser. Suportar as desilusões como erros humanos perfeitamente aceitáveis, ainda que entristecedores - e de novo a arrogância, de ser melhor do que isso. Se não desiludes ninguém não és real, não existes. Não basta pensar. Arrefece-se então. Que a desilusão é fria. Este é o meu espaço seguro. A minha bolha de anticorpos; o sistema imunitário transcendente. A necessidade dessa distância para respirar. Distância dos cheiros e do calor. Nojo dos corpos e dos sorrisos. É tudo podre, infecto. Lavar as mãos já não é suficiente. Ao contacto humano salivas, mas não é da fome, é do vómito. Apetece viver mas estar morto para o mundo. Arrastas-te no meio das multidões e tentas desviar-te da sensação epidémica do toque. Tudo te cansa porque tudo te parece inútil. Toda a gente precisa de ajuda e clama por atenção mas ninguém se consegue ajudar nem sabe estar atento. Estamos todos surdos e olhamos em frente. Se um coração se fere tem de ser protegido para não infectar. Seria desagradável que a gangrena levasse à amputação. Um pouco de desinfectante, uns séculos de repouso, ou uns anos, quem sabe, e a reabilitação é possível. Entretanto já chega. Arrebenta a bolha.