quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Bicho de sete cabeças.

Confesso que perdi o controle algumas vezes. Vezes em que a cada passo que dava conseguia sentir o medo a aumentar dentro de mim. Mas sem conseguir parar ou voltar para trás. Como um soldado que se aproxima de terreno inimigo. Sabe que não pode deixar o pânico vencer ou é o fim. Ou imagino que seja. Embriaga-se em adrenalina e por alguns momentos esquece-se de quem é ou como se chama aquela terra. Ou imagino que se esqueça. E só quando sai é que pensa sobre isso. Se é que pensa. Se é que sai. Já me esqueci de quem sou. Durante milésimos de segundo, ou em medidas fora do tempo, o meu cérebro não se inflamou de pensamentos. A minha epidemia privada hesitou. E quando voltei a pensar quis desafiar as leis e códigos com que estou programada. Quis desafiar-me. Mas a minha racionalidade doentia vence sempre. E eu fico sem saber se ganhei ou perdi.
Sou um bicho de sete cabeças. Todas servem para pensar. Não, sete não. Mais. Ainda há mais. Nunca tem fim. Não vai acabar. Não há espada que mate este estar. Vou ficando. A manhã acabou de raiar. À minha volta todos dormem. Sento-me na varanda. Subo o parapeito, pés no telhado. A luz não me incomoda, mesmo acabada de acordar. Deixo a pele do rosto absorver os raios de sol. Fumo um cigarro enquanto penso. E trauteio uma canção. Baixinho, porque gosto do mundo adormecido. Penso na tua beleza e espero que não tenhas noção. Porque é assustadora e tu pareces ter os pés assentes no chão. Lembras-te dos teus sonhos quando acordas? Hoje lembrei-me de ti. Desculpa, queria dizer que não me esqueci.

domingo, 20 de janeiro de 2008

É isto que sinto no meu labirinto.

Perco-me aqui. A luz não é muita e eu não sei o caminho para voltar. Já me embrenhei demasiado. Já fui demasiado fundo. Já me perdi. O meu passo é firme e decidido, vou em frente, mas não sei para onde estou a caminhar. Vou como cega. Não sei onde vai dar esta rua. Cá fora é tudo igual. Tudo igualmente cansativo. Mas há qualquer coisa que brilha algures e é para lá que quero ir. Quero entrar nesse brilho mas às vezes pergunto-me se não é debaixo da pele que devia procurar. Se tenho uma porta ainda não descobri como se abre. Por um momento tremi sem ser do frio, embora o ar me arrefeça. Acho. Talvez fosse tudo mais fácil se não existissem palavras. Ou talvez isso me deixasse imóvel. Mas as que tenho dentro de mim são demasiadas, em torrentes ininterruptas, abruptas, cruéis, dolorosas. Como se nas veias me corressem pedaços de vidro. Pedaços de qualquer coisa estilhaçada. Ou qualquer coisa ainda por nascer. Talvez ainda nem saiba o meu nome. Só tenho palavras debaixo da pele. Quase só. Sou como uma torneira estragada estupidamente à espera de conserto. Não há. Por isso deixo-as correr em silêncio. À espera. Queria extraí-las todas de dentro de mim, com uma precisão cirúrgica. É isso que tento. Ou talvez o esforço seja ridiculamente ínfimo. Não gosto de mentir. Eu já disse que não sei onde fica a porta. Só nunca mo disse olhando-me nos olhos. Não há espelho onde isso caiba. Vou virar aqui. Talvez seja por aqui. Continuo sem saber onde estou. Não reconheço nada. Ou recuso-me a reconhecer. É tudo novo e desconhecido e é tudo velho ao mesmo tempo. Fecho os olhos durante mais tempo que o normal quando pestanejo. É que me cansa o que vejo.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Bem-vindo, viajante.

Senta-te e descansa os olhos nas minhas palavras. Que elas te pacifiquem. Que tragam calma ao teu turbilhão. Ou que façam mover os êmbolos parados e ferrugentos do teu coração. Que te façam nascer ou te deixem morrer. Que possas sorrir ou que te levantes e saias. Que te coces preguiçosamente ou que bocejes sem pudor. Que te enoje, que te comova. Que abra uma ferida qualquer ou tempere a que já aí estava. Dá um murro. Suspira. Olha por cima do ombro. Que se te embacie o olhar. Que se te suavizem as palmas das mãos. Toca nos teus lábios. Afaga um joelho. Descalça-te. Despe-te. Tapa-te se ficaste com frio. Arrepia-te e logo a seguir transpira, do calor. Que te dê vontade de foder. Qualquer coisa. Merda, reage porque eu não posso sair daqui para te bater.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

With great power comes great responsability, já dizia o tio Ben.

Suspiro atrás de suspiro, ergui um muro de lamentações. Quatro paredes de tijolo em meu redor. Esqueci-me da porta e descurei as janelas. Mas ainda posso olhar para cima e substituir mais um suspiro por uma inspiração profunda. Quando quiser posso saltar.
Nunca ninguém me disse que o mundo é bonito, fui eu que decidi. Fui eu que fiz os meus filtros. Ninguém precisou de me ensinar a sorrir. Sempre me deixaram escolher. Eu escolhi quando trocar de direcção. Eu escolhi quando voltar atrás. Eu escolhi quando parar. Eu escolhi quando sonhar. Eu escolhi o que era para sempre e o que tinha de acabar. Fui eu em tudo. Estive sempre de olhos abertos sem me dar ao luxo de pestanejar porque assim o quis. E quando o peso da responsabilidade foi tanto que me senti esmagar também gatinhei, rastejei um pouco até. Que me importa esfolar os joelhos ou sujar as palmas das mãos? Depois passa. Já passou. Está a passar agora mesmo enquanto escrevo. Sim, o poder é meu e é grande. Sinto os meus nervos esticar. Não tenho limites. Se quiser posso voar. Mas não quero. Não. Gosto da minha calma e nem costumo arrastar os pés. Mas se for preciso arrasto. E se for preciso choro e faço doer. E dói e arranha a garganta quando grito. Mas grito se tiver de ser.