terça-feira, 12 de novembro de 2013

A canção do pirilampo

Esmaguei um pirilampo. O sentimento era vingança. Como se pode atrever a romper a minha escuridão? A violar o meu silêncio? A ocupar o meu espaço vazio?
Esmaguei-o até a luz se apagar debaixo do meu pé. Esmaguei-o até a luz se apagar entre os dedos das minhas duas mãos. Esmaguei-o até a luz se apagar entre os meus dentes, onde ficou preso o seu cadáver até que eu os palitasse com a língua.
Mesmo depois de a luz se apagar, a escuridão continua interrompida. Os finos traços de luz aérea permanecem-me cravados na retina. Não sei já distinguir se tenho os olhos abertos. Considero que possam estar fechados. Considero que possa a sua fosforescência ter abandonado a retina permanecendo-me apenas como memória. A única memória. O silêncio já só existe no exterior dos meus ouvidos zunintes, entupidos de asas. O meu vazio, o meu querido, estimado, cuidadosamente cultivado e tão meritosamente alcançado nada, assim preenchido. O meu nada foi-me futilmente, cruelmente, irrevogavelmente roubado. E para nada.
Resta-me lamentar o meu pirilampo. O luto a esconder a carne assassina. Os fogos acesos em memória da luz efémera que, porém, permanece. As melodias agudas que me levantam o coração com uma espécie de leveza etérea, como se já não existisse mas obviamente existindo, para o guiarem melhor no meu lamento. E as palavras que preenchem isto tudo. Ecoando no espaço outrora vazio.
Avançando entre os fogos, até onde a vista alcança, caminho levando no coração um desejo apenas. Desejo continuar a esmagar o pirilampo até não haver mais tempo para gastar. Com o meu corpo todo, centímetro a centímetro.