sábado, 26 de dezembro de 2009

Ser Poeta (é ser sombrio)

Ser Poeta é ser sombrio, é ser pior
Do que nos pensam! Desprezar como quem ama!
É ser indefeso e lutar como quem inflama
Em si a Coragem do mundo e não a Dor!

É ter de mil desejos o horror
Por não gostar sequer do que se deseja!
É ter cá dentro uma ferida que chameja,
É ter espinhos e um muro em redor!

É ter nojo, é ter medo de Infinito!
Por pele, os dias inertes e de marfim…
É reduzir o mundo apenas a um grito!

E é querer tudo, desnorteadamente…
E seres tudo, e nada, o que resta em mim
E cantá-lo fingindo que és toda a gente!

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Poema dos meus fantasmas

Nunca estive satisfeita
porque tive sempre medo
do que podia vir a encontrar.
Nunca nada me satisfez
porque nunca conheci tudo
do que há para encontrar.

Tive sempre medo de amar
porque podia descobrir
um amor mais verdadeiro.
Tive sempre medo de viver
porque podia descobrir
que desperdicei a vida.
Tive sempre medo de ser boa
porque podia descobrir
que podia ter sido melhor.
Tive sempre medo de vencer
porque podia descobrir
que nunca tive nada.
Tive sempre medo de sorrir
porque podia descobrir
todas as razões do mundo para chorar.
Tive sempre medo de chorar
porque podia descobrir
que podia ter sido feliz.
Tive sempre medo de ser feliz
porque podia descobrir
que era mentira.
Tive sempre medo de acreditar
porque podia descobrir
que estava enganada.
Tive sempre medo de duvidar
porque podia descobrir
que era tudo verdade.
Tive sempre medo de andar
porque podia descobrir
que devia ter corrido.
Tive sempre medo de correr
porque podia descobrir
muito onde tropeçar.
Tive sempre medo de dançar
porque podia descobrir
como pisar os meus próprios pés.
Tive sempre medo de lutar
porque podia descobrir
que não valia a pena.
Tive sempre medo de ter pena
porque podia descobrir
que era de mim.
Tive sempre medo de mostrar quem sou
porque podia descobrir
que sou feia.
Tive sempre medo de estar acompanhada
porque podia descobrir
que estive sempre sozinha.
Tive sempre medo de sonhar
porque podia descobrir
a verdade nos sonhos.

Como se tudo o que eu pudesse conhecer
fossem apenas fantasmas
do que podia vir a ser.
Ou do que é.
Mas nada é o que podia ser.
E é tudo meu.

Não és tu.
Sou eu.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Poema de escrever um poema

quero escrever um poema
que se escape de mim
que se escape de si
que me fuja das mãos
que me fuja das páginas
e que vá parar aos lábios de alguém que o diga
sem se lembrar de onde o leu
sem se lembrar de quem o escreveu
sem se lembrar de quem pensou que podia escrever
para alguém se lembrar do que escreveu
e que o diga por se lembrar das palavras
escritas e pensadas e fugidas
só porque elas querem dizer alguma coisa
diferente do que pensou quem as escreveu
mas que ocorrem à memória de quem as leu
e à de quem as ouviu quando ele as disse
e depois escreveu outras
que não são as mesmas
mas nasceram delas
e assim criando uma obra criadora por ela mesma.
e livre. uma obra livre.
como eu escrevi agora estas palavras
por ouvir alguém que não conheço
dizer alguma coisa
agora transformada nesta coisa,
nestas palavras que são livres,
que a partir do momento em que as escrevo
deixam de estar presas a mim.
que sejam livres
e eu liberte no papel
tudo o que tenho pensado e ouvido e lido
e tudo o que tenho para pensar e ouvir e ler
e tudo o que valha a pena ser lido e ouvido e repetido
e assim por diante
até que nada fique por dizer
nem por ouvir
nem por escrever.

domingo, 31 de maio de 2009

A morte sou eu.

Às vezes choro com sede de perda. Invejo aqueles que conheceram a morte e podem chorá-la. O meu vazio é a ausência de perda. Não gosto de lutar para que as coisas permaneçam perfeitas e iguais. Preciso de erros para reparar, de desgostos para superar. De lutar para ficar bem. Sou uma perfeccionista, insistentemente em busca de imperfeições para consertar. O que me move é o horror e horroriza-me a minha boa vida. Sou invadida por uma ansiedade, um prenúncio de devastação. Eu sei o que se segue. Vou matar qualquer coisa de bom para poder remediar esse erro. Para sofrer e poder lutar por ficar bem. Eu não sei canalizar as minhas pulsões. Sem morte não sinto vida. Não cresço. Fico egoísta, desejando a morte para poder viver melhor. E a morte sou eu. Porque estou aqui a respirar para nada e a chorar porque não estou triste.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Amo-te.

Às vezes gostava que fosse como nos sonhos, qualquer caminho que se siga é estranhamente certo e vai sempre dar a algum lugar, longe ou perto. Todos os gestos têm significados profundos, as palavras são misteriosas mas incisivas. São belos os meus sonhos, gosto de dormir neles. São confortáveis e quentes, como a minha cama. Gosto quando me tocam nos meus sonhos porque nunca me incomoda e só me toca quem eu desejo. A imagem do sorriso dele enche o ecrã da minha mente adormecida, o som da sua gargalhada divertida contagia a gargalhada que sinto no coração enquanto durmo. A mão que me afaga o rosto é grande e macia. As palavras ditas e trancadas no sonho, em segredo absoluto do mundo, enchem-me de esperança. Passo-lhe os meus longos dedos pelo cabelo, em retribuição, devagar. E fica tudo bem. Fica sempre tudo bem. Acordo com o telefone e respondo de voz estremunhada, arrastada, dolente. Não queria sair do meu sonho, revolto-me cheia de sono e de raiva. A voz que me fala, carinhosa, não é a mesma que sonhava há minutos, nem o sorriso, nem o cabelo, nem as mãos, nem as palavras. Não está comigo. O meu rosto contorce-se numa agonia silenciosa. A minha boca abre-se num grito mudo e ensurdecedor, e o quarto enche-se dele. Os olhos estão húmidos mas nenhuma lágrima se atreve. Já desliguei o telefone. A culpa já me pesa desde o segundo em que acordei. Tento voltar ao sonho, fechando os olhos com desespero, mas esta minha culpa é esmagadora e não mo permite. Por entre o meu esgar interminável, da minha boca entreaberta, escapa-se um gemido incontrolado. Dura apenas um segundo, logo abafado pelo lençol que mordo em soluços secos. Não faço um som. O coração dentro do peito dói-me e pesa como uma grande pedra aguçada. Às vezes penso que se me alimentasse melhor o sangue me correria mais fácil e fluidamente pelas veias. Dói-me cada momento de vida. Fixo o tecto e tento limpar os pensamentos, em imobilidade total. Volto a libertar os meus músculos e permito-me, não, obrigo-me a levantar. És tão forte. Não tenhas medo. Está um dia lindo lá fora. Amo-te. Sorri.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

tough love

girls deceive
and make boys believe
boys lie
and make girls cry

love hurts
and there's no way around it
but sometimes i wish
i was on the other side of it

boys cry
and make girls believe
girls lie
and make boys deceive

love is tough
but i am tougher
don't you be rough
or you're one dead lover

girls cry
and make boys lie

love is vile
but i love it
if you see me smile
just go with it

boys deceive
and make girls lie

love is cold
when my bed is empty
no hand to hold
no use for my warmth

girls believe
and make boys cry

i want to hurt love
like it hurt me
i want it dead cold
i'll show it villany

boys do something
that makes girls want to die
girls do everything
to pretend it's just fine

i can't decide wich way it goes
so i'll wrap it up
in few simple words

we all fucked up
and tied our own rope
but while there is love
there is still hope

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Fim de um Inverno.

No meio da confusão dos corpos era difícil distinguir onde estava a verdade. Fechava os olhos e era como se os mantivesse abertos. A sucessão de imagens que lhe cruzavam a mente, fazendo o sangue subir-lhe às faces, correspondia à velocidade frenética de movimentos que a rodeavam. Era apenas uma rua cheia de gente com pressa para passar, pouco se importando com os encontrões que dava ou recebia ou com os calcanhares que pisava; mas parecia um quarto fechado, de janelas embaciadas pelas respirações sincronizadamente ofegantes. Nunca uma multidão lhe parecera tão obscena. Nem mesmo os grossos e compridos casacos invernais conseguiam esconder a nudez insípida e desinteressante a que estavam condenados. Apenas o conforto de um rosto belo no meio da orgia de transeuntes lhe pode acalmar a repugnância. Caminhava como que acima da multidão. Em perfeição. E vinha a sorrir, muito ao de leve. Muito ao de leve, cruzou o ombro com o seu. Foi um roçar delicado, como o sorriso, mas o suficiente para que deixasse de lado o seu profundo desprezo pelo mundo, apenas por um instante. O seu coração dorido deixou de arder por um instante, só por constatar que ainda existia uma réstia de gentileza no mundo. Talvez valesse a pena respirar mais um pouco, talvez até encontrar o próximo sorriso perdido na rua que restaurasse em si a vontade de caminhar devagar. Mesmo sem abrir o guarda-chuva.

*

“If love is shelter/I’m gonna walk in the rain”

If Love Is a Red Dress (Hang Me In Rags), Maria McKee

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Apontamento

E de repente, fez sentido. Não era uma história simples, o que eu queria mostrar não eram as calamidades de uma tragédia de amor impossível. Era sobre o amor, sim, mas mais do que isso, era sobre como o amor é possível. E depois de todos os episódios dramáticos que me inundavam o cérebro percebi onde estava a razão. E o desafio de que sempre fugi. O desafio pronunciado há muitos anos, nas palavras tímidas de um amigo que sempre soube perceber o que era, até mesmo antes de mim. "Nunca vais ser feliz enquanto não conseguires escrever quando estás feliz. " Soavam a profecia, pareciam impossíveis de cumprir. Martelavam-me as ideias de tempos a tempos. E depois de tanto tempo, houve um momento de clareza. Foi a primeira história, a primeira de todas, a que me fez querer continuar, a que pela primeira vez me fez sentir aquela coisa indefinível que é sede e saciedade ao mesmo tempo, que é gloriosa mas aterradora, que me deixa num limbo entre o desespero e a esperança. A história inacabada: “Eles estavam felizes e eu não fui capaz de escrever mais.” Eu sabia que a história era trágica, afinal era da minha cabeça, e por mais que eu gostasse de dizer que o que sentia era piedade (pobres personagens a quem vou roubar a felicidade que eu mesma ofereci), a versão sincera obriga-me a admitir que era inadequação. Afinal, nunca tive qualquer espécie de escrúpulos no que diz respeito a finais cruéis. Agora sei que o final trágico que eu tinha previsto, pode ser apenas o início de algo muito maior. E finalmente, a primeira história ganhou um objectivo, já não está irremediavelmente perdida. Ao fim de tantos anos, encontrei o sentido que lhe faltava. Finalmente, pode deixar de ser mais uma história de amor trágico e impossível. Será a primeira história feliz.