quero escrever um poema
que se escape de mim
que se escape de si
que me fuja das mãos
que me fuja das páginas
e que vá parar aos lábios de alguém que o diga
sem se lembrar de onde o leu
sem se lembrar de quem o escreveu
sem se lembrar de quem pensou que podia escrever
para alguém se lembrar do que escreveu
e que o diga por se lembrar das palavras
escritas e pensadas e fugidas
só porque elas querem dizer alguma coisa
diferente do que pensou quem as escreveu
mas que ocorrem à memória de quem as leu
e à de quem as ouviu quando ele as disse
e depois escreveu outras
que não são as mesmas
mas nasceram delas
e assim criando uma obra criadora por ela mesma.
e livre. uma obra livre.
como eu escrevi agora estas palavras
por ouvir alguém que não conheço
dizer alguma coisa
agora transformada nesta coisa,
nestas palavras que são livres,
que a partir do momento em que as escrevo
deixam de estar presas a mim.
que sejam livres
e eu liberte no papel
tudo o que tenho pensado e ouvido e lido
e tudo o que tenho para pensar e ouvir e ler
e tudo o que valha a pena ser lido e ouvido e repetido
e assim por diante
até que nada fique por dizer
nem por ouvir
nem por escrever.
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