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sábado, 26 de dezembro de 2009

Ser Poeta (é ser sombrio)

Ser Poeta é ser sombrio, é ser pior
Do que nos pensam! Desprezar como quem ama!
É ser indefeso e lutar como quem inflama
Em si a Coragem do mundo e não a Dor!

É ter de mil desejos o horror
Por não gostar sequer do que se deseja!
É ter cá dentro uma ferida que chameja,
É ter espinhos e um muro em redor!

É ter nojo, é ter medo de Infinito!
Por pele, os dias inertes e de marfim…
É reduzir o mundo apenas a um grito!

E é querer tudo, desnorteadamente…
E seres tudo, e nada, o que resta em mim
E cantá-lo fingindo que és toda a gente!

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

With great power comes great responsability, já dizia o tio Ben.

Suspiro atrás de suspiro, ergui um muro de lamentações. Quatro paredes de tijolo em meu redor. Esqueci-me da porta e descurei as janelas. Mas ainda posso olhar para cima e substituir mais um suspiro por uma inspiração profunda. Quando quiser posso saltar.
Nunca ninguém me disse que o mundo é bonito, fui eu que decidi. Fui eu que fiz os meus filtros. Ninguém precisou de me ensinar a sorrir. Sempre me deixaram escolher. Eu escolhi quando trocar de direcção. Eu escolhi quando voltar atrás. Eu escolhi quando parar. Eu escolhi quando sonhar. Eu escolhi o que era para sempre e o que tinha de acabar. Fui eu em tudo. Estive sempre de olhos abertos sem me dar ao luxo de pestanejar porque assim o quis. E quando o peso da responsabilidade foi tanto que me senti esmagar também gatinhei, rastejei um pouco até. Que me importa esfolar os joelhos ou sujar as palmas das mãos? Depois passa. Já passou. Está a passar agora mesmo enquanto escrevo. Sim, o poder é meu e é grande. Sinto os meus nervos esticar. Não tenho limites. Se quiser posso voar. Mas não quero. Não. Gosto da minha calma e nem costumo arrastar os pés. Mas se for preciso arrasto. E se for preciso choro e faço doer. E dói e arranha a garganta quando grito. Mas grito se tiver de ser.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Silêncio, Escuridão, E Mais Nada.

Eu encostava a cabeça no teu ombro e tu encostavas a tua cabeça na minha enquanto me davas a mão e os dois partilhávamos uma escuridão e um silêncio rompidos apenas pelo queimar dos cigarros.
E mais nada.


quarta-feira, 28 de março de 2007

Uma fonte no deserto.

O chão à minha volta está seco. Se antes era lama, agora o sol endureceu-o. Está gretado do calor e as fissuras formam estranhos padrões. Não vejo nada senão isto, quilómetros em redor. Perco a noção das distâncias. A solidão é absoluta e o silêncio todo-poderoso. Primeiro sento-me e depois deito-me. Estico o corpo contra o chão quente e áspero. Fecho os olhos mas continuo a ver o sol através das pálpebras, vermelho e penetrante. Sinto os seus raios atravessar-me a pele, queimando-me os olhos, as pernas e os braços nus. Deixo-me invadir por sensações que não sei definir e experimento compreendê-las. Seria um réptil se a minha pele não fosse branca e frágil. E estaria bem se não fosse a secura na garganta e um subtil receio de contrair cancro da pele, receio que começa a tomar conta do meu cérebro aos poucos. Já não consigo concentrar-me nas sensações. Distraí-me delas. Por isso decido levantar-me. Primeiro sento-me e inspiro a ligeira aragem que passou por mim, breve e rara. Não consigo dizer a que cheira o deserto. Talvez não cheire a nada. Como me poderei recordar depois? Talvez o calor me faça lembrar. Agarro-me a esta esperança e ergo-me então, muito devagarinho. Começo a caminhar de costas voltadas ao sol, estudando a lentidão dos meus movimentos, planeando a forma de dar cada passo, fascinada pela minha graciosidade, por ser só para mim, já que estou sozinha e ninguém me pode ver. Nem eu me vejo, apenas me imagino, talvez por isso esteja especialmente bonita hoje. Observo os meus pés, que se movem quase em câmara lenta, e os braços, ora caídos ao longo do corpo, imóveis como o ar; ora oscilando, ondulantes como o calor. Quase flutuo, mas realmente está demasiado calor para isso. Quando chego à fonte, inclino-me calmamente para a água e bebo dela sem pressas, saboreando o que não tem sabor nem nome. Como se ninguém me esperasse e eu não tivesse mais nada para fazer.




"Pois eu," disse o Principezinho para si mesmo, "se tivesse cinquenta e três minutos para gastar como quisesse, dirigia-me devagarinho para uma fonte."

sexta-feira, 14 de abril de 2006

Jean-Arthur, mon amour.

Sou uma fada verde desde sempre. O absinto estava no meu destino, eu é que não sabia. E o nosso amor é verde; é verde-absinto. Dancemos de garrafas vazias na mão, até cairmos zonzos e cansados. Pena não sabermos dançar. Pena dançarmos tão mal. Mas não importa porque contigo não há nada que não seja correcto e bonito. Nem o absinto. Contigo, as estrelas estão sempre alinhadas. Alinhavadas na nossa sede. Dancemos então, até cairmos. Dancemos, Jean-Arthur, até cairmos na areia escaldante do deserto, mon amour. Caídos de amor, deixemos os nossos corpos derreter com o calor. Sempre quis saber a que sabem os lábios de um poeta. Tu és o poeta rebelde. E os teus lábios estão quentes, Jean-Arthur. Esperava que estivessem frios como os dos homens mortos, mon amour. Mas os teus ainda murmuram palavras. E tens palavras de uma morbidez tal que ninguém te diria imortal.

Estamos deitados na areia; já bebemos, já dançámos, já nos beijámos. Parte a garrafa, mas cuidado com os vidros, não te cortes. Estás descalço. Chora agora, escondido no meio do meu abraço, porque para mim a tua poesia não é uma mera alínea. Estou contigo na Abissínia. O amor é um deserto e é a poesia que nos mata a sede. Ou pensaste que era o absinto? Não te afogues, não te esqueças. Jean-Arthur, és para sempre, mon amour.




*





"Nos desertos do amor andou Rimbaud,
Ninguém sabe se chorou.

E a poesia? Mera alínea?"


Lamento de Rimbaud, Sérgio Godinho

sexta-feira, 24 de março de 2006

Sou bué da estóica, disse eu um dia.

- Olá. Tenho muitos nomes, sabes? Hoje chamo-me Lídia. Sou a Lídia. Sou uma pagã triste, de flores no regaço. Triste porque nunca tive coragem de enlaçar a minha mão na tua. Que é como quem diz que nunca te convidei para tomar café. Achei que cedo a libertarias. Que não ias gostar da pressão dos meus dedos nos teus. Que dirias que não. Achei que custava menos ficar a ver a vida a passar. Como um comboio reservado do Metropolitano de Lisboa. Afinal e de facto, não é profissão para mim. E, na verdade, também não é o meu nome do meio. Aliás, digo-te mesmo. Merda para o estoicismo.