segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Poema de pasmar

Estou aqui sentada
permanentemente espantada de tudo o que vejo ou sinto
e tudo o que não vi nem senti também me espanta.
Este pasmo absoluto de tudo,
como o de um tolo que sai de casa pela primeira vez e de tanto pasmar se baba,
surpreende-me ele mesmo,
a mim, que pensava já saber tudo
ou pelo menos aquilo que importa saber.
Afinal, não sei nada.
Porque sempre que vejo uma coisa velha ela parece-me nova,
sempre que vejo as mesmas pessoas elas parecem-me diferentes,
mais velhas, mudadas.
E fico pasmada.

Espanta-me o meu quarto desarrumado,
quando sempre precisei do caos para me sentir viva.
Espanta-me o meu adiar de tudo,
quando sei que adio na esperança de que o prolongar torne tudo mais real
e menos efémero.
Espanta-me a minha vontade de escrever,
quando nunca quis outra coisa na vida
a não ser aquilo que me dá vontade de escrever.
Espanta-me a maneira como sinto as coisas,
quando já analisei em mim tudo o que há para conhecer.
Espanta-me a persistência de sentimentos gastos,
quando sei que fui eu que fiz por mantê-los acesos.
Espanta-me a forma do meu corpo,
quando me vejo nua ao espelho todos os dias.
Espanta-me o prolongar alegre da minha vida,
quando no fundo sempre desejei morrer mais cedo.
Espanta-me o amor que sinto por pessoas e objectos e lugares demais,
quando já conheço de cor o seu cheiro a podre.
Espanta-me ser igual a todos os outros,
quando cheguei a acreditar quando me disseram que sou especial.

E fico para aqui pasmada,
sentada no meu lugar.
E não faço mais nada senão pasmar.

Sou um desperdício de espaço,
um saco roto por onde cai o que há.
Ou o que havia.
E havia muita coisa:
esperança, vontade, qualidades, talentos, beleza, um grande coração humano.
E tudo isso fica espalhado pelo chão desarrumado do meu quarto,
misturando-se com as meias sujas, os jornais do ano passado,
os sapatos, os talões escritos por mim no avesso,
os livros, as canetas que não escrevem
e o cotão.

Não consigo deitar nada fora
porque me parece tudo novo, diferente e original
de cada vez que olho.
E é tudo velho, tudo velho
e está tudo visto, tudo gasto.
Gostava de ser mais ecológica e reciclar a minha vida
porque sei que este espanto todo
não passa de sentimentalismo barato.

2 comentários:

MaB disse...

Pasmo: aquilo que escreves está cada vez melhor!

QT disse...

1º Concordo com as palavras da mariana..;), excelente msm.

2º Para mim o Jim antes de um excelente músico, foi sempre um grande poeta, e por isso concordo quando dizes que a Crystal Ship é um belo poema, antes de se transformar numa excelente música.

3º "If the doors of perception were cleansed, every thing would appear to man as it is: infinite"