pequenos acidentes
pequenas felicidades
dores de dentes
e incomparáveis atrocidades
uns poucos presentes adocicados
fazem estender o suplício
dos dias envenenados
a catalogar a vida como vício
ao correr
consigo arrastar a cabeça
em lugar de arrastar os pés
quinta-feira, 30 de abril de 2015
quarta-feira, 18 de março de 2015
Para esquecer
Vamos esquecer isto tudo
ou então finjamos
que foi uma lição de vida
que teve qualquer significado
que não foi sofrido para nada
isto tudo, esta coisa
esta raiva
desesperada e impotente
de o ar ser sólido
a entrar pelas narinas
e a colar-se à pele e à roupa
e a fundir-se com o meu cabelo,
de o ar ser composto
de infelicidade e de ignorância
e mais nada - nada.
E isso impregnar-se em mim.
Aqui, nenhum sorriso é sincero
e todos os olhos procuram a saída
e eu dissolvo-me,
escorro lentamente pela cadeira
e só fico triste
faz-me pena
e lamento-me
mas não é possível fingir que isto foi outra coisa.
ou então finjamos
que foi uma lição de vida
que teve qualquer significado
que não foi sofrido para nada
isto tudo, esta coisa
esta raiva
desesperada e impotente
de o ar ser sólido
a entrar pelas narinas
e a colar-se à pele e à roupa
e a fundir-se com o meu cabelo,
de o ar ser composto
de infelicidade e de ignorância
e mais nada - nada.
E isso impregnar-se em mim.
Aqui, nenhum sorriso é sincero
e todos os olhos procuram a saída
e eu dissolvo-me,
escorro lentamente pela cadeira
e só fico triste
faz-me pena
e lamento-me
mas não é possível fingir que isto foi outra coisa.
quinta-feira, 30 de outubro de 2014
poema parado #2
cães e lagartas e os mais variados animais de variadíssimas espécies trepam pelos meus pés e seguem os meus movimentos com os olhos e as asas. nunca a ausência de vida. nunca a ausência de movimento. sempre um agitar de coisas e de seres animados pelo sangue ou apenas pela deslocação do ar falando às cortinas e às portadas da janela. nunca o silêncio.
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
poema parado #1
ponho em prática o pensar petrificado dos quotidianos dias esquecidos diariamente implacavelmente e sem qualquer nostalgia esmagados pelo seguinte que mói da mesma maneira só por se somar aos demais dias e demais práticas e demais petrificações gastas pelas horas vazias de acção movimento acontecimento razão sentimento emoção química cinética física matemática língua corpo chão tecto mesa lápis objectos em geral mobília em geral e vida em geral para ser qualquer coisa mais em particular e que se mexa mesmo que imersa na mais profunda banalidade.
pausapausa
pausa
pausa
é tudo tão mágico.
sábado, 29 de março de 2014
Primeira canção:
Ela sabe que é normal.
Ela sabe que fui eu.
Ela sabe que doeu.
Ela sabe que fui eu.
Ela sabe que é normal.
Ela sabe como é feio.
Ela sabe que é normal.
Ela sabe ao que veio.
Ela sabe que é difícil.
Ela ainda não esqueceu.
Ela sabe que é difícil.
Ela sabe que fui eu.
[Eu não quero saber.
Eu não aceito.
Eu não quero saber.
Eu não reconheço este conceito.
Eu não quero saber.
Eu rejeito.]
Ela sabe que é normal.
Ela já conhece o mal.
Ela sabe como é feio.
Ela sabe ao que veio.
Ela ainda não esqueceu.
Ela sabe que fui eu.
domingo, 1 de dezembro de 2013
Puto de fuga.
A
estranheza de ver um gajo fugir. Desarvorado como se o fossem apanhar para
comer, cuspir os ossos e as gordurinhas todas e arrotar meio para dentro, meio
para fora. Como se a criatura não soubesse que mais tarde ou mais cedo vai
encontrar tudo de frente e não ter por onde fugir sem ser ainda mais forte que
essa vontade a vergonha. Como se ele não soubesse que está vivo como um
condenado que tem de cumprir a sua perpétua má acção atrás de má acção, decisão
errada atrás de decisão errada, tentativa falhada atrás de tentativa falhada,
espalhanço atrás de espalhanço, sem que ele possa fazer nada para o impedir. Tudo
o que ele tem de fazer é continuar sabendo que pior do que fazer uma má acção
ou fazer uma decisão errada ou fazer uma tentativa falhada ou fazer um
espalhanço, seja dele ou de outrem, ou das duas variedades, cada uma por sua vez,
é não poder fazer nada disto. Ora ele ficando a enfrentar o deixar-se estar é
fazer uma tentativa falhada de assim ficar; ora ele fugindo de se deixar estar
é fazer uma tentativa falhada de não pensar muito nisso porque enquanto se
pisga vai a consciência a dizer-lhe, que nojo, que nojo, vais a fugir. E lá
fica com o nojo próprio a ocupar-lhe a cabeça o resto do dia, pelo menos. Havia
de ficar parado, imóvel, feito estátua, até lhe cagarem os pombos em cima, que
ia dar no mesmo.
terça-feira, 12 de novembro de 2013
A canção do pirilampo
Esmaguei um pirilampo. O sentimento era vingança. Como se pode atrever a romper a minha escuridão? A violar o meu silêncio? A ocupar o meu espaço vazio?
Esmaguei-o até a luz se apagar debaixo do meu pé. Esmaguei-o até a luz se apagar entre os dedos das minhas duas mãos. Esmaguei-o até a luz se apagar entre os meus dentes, onde ficou preso o seu cadáver até que eu os palitasse com a língua.
Mesmo depois de a luz se apagar, a escuridão continua interrompida. Os finos traços de luz aérea permanecem-me cravados na retina. Não sei já distinguir se tenho os olhos abertos. Considero que possam estar fechados. Considero que possa a sua fosforescência ter abandonado a retina permanecendo-me apenas como memória. A única memória. O silêncio já só existe no exterior dos meus ouvidos zunintes, entupidos de asas.
O meu vazio, o meu querido, estimado, cuidadosamente cultivado e tão meritosamente alcançado nada, assim preenchido. O meu nada foi-me futilmente, cruelmente, irrevogavelmente roubado. E para nada.
Resta-me lamentar o meu pirilampo.
O luto a esconder a carne assassina. Os fogos acesos em memória da luz efémera que, porém, permanece. As melodias agudas que me levantam o coração com uma espécie de leveza etérea, como se já não existisse mas obviamente existindo, para o guiarem melhor no meu lamento. E as palavras que preenchem isto tudo. Ecoando no espaço outrora vazio.
Avançando entre os fogos, até onde a vista alcança, caminho levando no coração um desejo apenas. Desejo continuar a esmagar o pirilampo até não haver mais tempo para gastar. Com o meu corpo todo, centímetro a centímetro.
quarta-feira, 3 de abril de 2013
poema trágico e aflito
gosto de me sentar no banco da frente do teu carro
e que esse lugar seja sempre para mim
gosto de olhar para ti em silêncio
eu que nunca me posso calar
e eu que estou sempre tão nervosa
de pensar todos os tempos ao mesmo tempo
o tempo todo
o tempo todo
sentir-me calma só de te ouvir ininterrupto
tu que és sempre tão calado
e gosto de saber que nunca te hás-de calar comigo
a não ser que eu te faça calar
gosto que tentes dizer piadas
porque não tens graça nenhuma
e és sempre tão sério, tão sério
excepto agora aqui comigo
és sempre tão crescido, tão adulto
excepto quando tentas brincar comigo
e te esqueces de ser sério e crescido
gosto tanto que te esqueças disso
gosto tanto de estar contigo
e parece-me tudo tão belo e tão trágico aqui sentada
porque tu és tão belo e tão trágico
porque estás tão feliz comigo aqui
e tão aflito, tão aflito
sempre tão inadequado
mesmo agora aqui comigo
gosto que fumes sempre mais um cigarro
para olhares mais tempo para mim
gosto que nunca consigas escolher uma última palavra
e que atires sempre mais meia-dúzia da janela do carro
até que eu acene e me afaste
e eu nunca me esqueço de acenar e afasto-me sempre
gosto tanto de ter saudades tuas no momento em que nos vamos
separar
gosto tanto que a tua voz me doa de tanto, tanto gostar
terça-feira, 2 de abril de 2013
poema do fundo do coração
o meu pequeno coração perverso
é, na verdade, do tamanho do universo
nele cabe tudo o que houver para sentir
e cabem todos os que eu parar para ouvir
mas a gravidade de um coração assim
é mais forte que se fosse de pedra ou impermeável
porque nada se escapa de mim
e eu sou incontornável
o meu coração não tem fundo
aqui ninguém permanece
e a queda é para sempre
mas do vácuo permanente
também ninguém desaparece
desgraçadamente
é, na verdade, do tamanho do universo
nele cabe tudo o que houver para sentir
e cabem todos os que eu parar para ouvir
mas a gravidade de um coração assim
é mais forte que se fosse de pedra ou impermeável
porque nada se escapa de mim
e eu sou incontornável
o meu coração não tem fundo
aqui ninguém permanece
e a queda é para sempre
mas do vácuo permanente
também ninguém desaparece
desgraçadamente
sexta-feira, 1 de março de 2013
poema de acordarmos juntos
de pé, rapaz
esta é a tua oportunidade
o momento é fugaz
e se não me prenderes darei uso à minha liberdade
escolhi dormir até não ter mais forças para estar deitada
mas se me forças a despertar
quero nascer de novo pela madrugada
poema de ser uma traça
eu pensei que era nos teus olhos que ia encontrar a verdade
mas confundi luxúria com amor
eu sempre soube que eras um cobarde
mas nunca acreditei que fosses um traidor
isto não passa
não é uma ferida passageira
ardi como uma traça
que se abraçou à luz de uma fogueira
antes acreditei que se não pudesse confiar em ti não podia
confiar em mais ninguém
e agora, como é suposto voltar a entregar o meu coração a
alguém?
sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
O ódio
O ódio abarca tudo
engole tudo
consume tudo.
Nada existe que possa sobreviver ao ódio
ele acaba fatalmente com tudo o que houver.
O ódio é a mais poderosa de todas as forças
porque todo o resto que existe precisa de alimento
e o ódio não precisa de mais nada para crescer
porque se alimenta de si mesmo.
O ódio devasta tudo
leva tudo
lambe tudo.
Não existe nada comparável ao ódio.
O ódio quando existe é para ser tudo
e mais nada cresce dele.
O ódio é fértil dele próprio
e estéril do universo inteiro.
Garantiste-me que
te odeias porque não amas.
Mas eu acho que
principalmente
tu não amas porque te odeias.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Berlin Blues
I met you some night in Berlin
You were holding a bottle of gin
You said to me: "This is the best.
C'mon, try it. Put my word to test."
And then, little, oh, little did I know
That by next morning's morning snow
I'd have already tasted you
And that's why my gin now tastes blue.
You were holding a bottle of gin
You said to me: "This is the best.
C'mon, try it. Put my word to test."
And then, little, oh, little did I know
That by next morning's morning snow
I'd have already tasted you
And that's why my gin now tastes blue.
terça-feira, 18 de dezembro de 2012
Poema das mulheres que sabem o que querem
No instante em que pousaste os olhos em mim
durante mais tempo do que terias coragem se estivesses
sóbrio
eu soube que me querias
e achei a ideia divertida
como sempre acho quando me sinto desejada.
Mas tenho vindo a pensar no formato dos teus olhos
e como eles se abriram mais ao ouvir-me falar
e no tom exacto da tua pele
que me parece difícil definir
com outra ideia que não seja as pontas dos meus dedos a
deslizar pelo teu pescoço
mas isso não é uma cor
e nem sequer te toquei senão ao de leve
e ainda nem consegui desviar os meus olhos para as tuas mãos.
E pensei também em como não soubeste manter a devida
distância
e como eu tive medo de estar tão perto
como uma espécie de claustrofobia
da falta de espaço entre mim e ti
e das paredes tão distantes
e mesmo assim a apertarem-nos um contra o outro
e mesmo assim eu a não te querer afastar.
E continuar a sorrir para ti e a contar-te as minhas
histórias
com a ligeira sensação de que não ouvias nada a não ser a
cor do meu baton.
E de todos os homens que se aproximam discretamente
para sentir o meu perfume um pouco melhor
ou que encostam os lábios ao meu ouvido
sob o pretexto de me quererem dizer coisas mais importantes
do que a música
ou que simplesmente me pedem beijos ou o meu amor,
foi a ti que os meus olhos procuraram
quando varreram a sala à minha entrada.
E assim que percebi que o fiz,
também percebi que já te escolhi.
É a ti que quero agora.
sábado, 10 de novembro de 2012
poema dos tubarões
parece-me desleal ser infeliz
enquanto tanto amor me rodeia
tanto me é oferecido
mas com todo este amor
sinto-me debaixo de água
os tubarões sentem o cheiro a sangue
e todos querem o seu pedaço
enquanto estou vulnerável
enquanto resta alguma coisa do que eu tive para dar
mas eu nunca mais vou fraquejar
nunca mais vou mergulhar tão fundo que fique sem ar
nunca mais vou acreditar em amor nenhum
que não seja o meu
nunca mais vou confiar em coração nenhum
que não seja o meu
apenas eu sou pura, apenas o meu amor é verdadeiro
todos os humanos são hipócritas e voláteis
menos eu
todos os humanos são cobardes e preguiçosos
menos eu
eu sou sobre-humana
os meus poderes são invencíveis
o meu amor é invencível e infindável
e por isso nunca hei-de morrer para sempre
antes, hei-de amar para sempre
sem nunca acreditar em mais nada
senão nisso
que o meu coração é imortal
e que os tubarões nunca vão beber do meu sangue
nem comer da minha carne
porque eu nunca mais hei-de fraquejar
e que eu hei-de ser minha até ao fim
e de mais ninguém senão de férias.
não importa o que se vê.
nem sequer importa o que se lê.
sou magnânima mas implacável.
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
Poema da imolação
Não sabia que se podia estar em chamas de dor.
Pensei que o fogo estava reservado ao amor.
Pensei que o desgosto queimava como o gelo queima
que era o coração do avesso e lágrimas frias.
Mas este fogo é quente.
Imolo-me e é uma sensação diferente.
Suponho que nunca se morra da mesma maneira.
Desta vez bebi o nosso vinho em celebrações,
em festejos de mais uma morte que passou
(passou por mim, atravessou-me).
Celebro a minha morte
e enquanto choro, rio-me de mim,
rio aos soluços.
E sinto-me impossível.
Sou um ser impossível.
É impossível ser eu.
Existo por fora de mim
e vejo-me chorar enquanto sufoco no meu próprio riso.
Não sei o que dizer a mim própria
mas falo incessantemente.
Digo coisas bonitas e coisas horríveis.
A frio e a quente.
E ainda me falta a coragem para as oficializar
escrevendo-as.
E entre tudo isto,
nunca o meu silêncio foi tão eloquente.
E o “tudo isto” há-de passar.
Mas quando se ama sabe-se que há uma condição única para
amar:
é que o amor seja para sempre.
terça-feira, 6 de novembro de 2012
História de caminhar sobre nuvens.
O caminhar sobre as nuvens
assusta-me porque qualquer passo em falso é a queda para o infinito. O vapor de
água que respiro enche-me os pulmões com um cheiro diferente do que estou
habituada. Um cheiro bonito. Cheira a sonhos longínquos, sonhados apenas dentro
de sonhos, porque nunca ousei sonhá-los acordada. E agora sinto-lhes o cheiro. Mas
o vapor de água também me tolda a vista, já de si tão fraca, já de si tão
idosa, que por ver tão mal, vê sempre mais do seria expectável. E eu vejo nos
sonhos com as mãos e com o cabelo, principalmente, mas vejo também com o resto
do corpo todo, porque os meus olhos não prestam e são um mero artifício
estético. Por isso guio-me pelo resto, enquanto caminho a medo sobre as nuvens.
No percurso desmapeado, a ausência de horizonte conspira com o excesso da
pressão atmosférica para me comprimir o peito. Para comprimir os órgãos que
vivem dentro do meu peito, em convivência difícil. Os meus órgãos invejam-se
uns aos outros porque todos gostavam de experimentar sentir o que os outros
sentem e só eu posso sentir tudo porque é só a mim que tudo isto pertence,
soberana, tirana das minhas vísceras rebeliosas. O que todas elas sentem, o que
carregam em comum, é o medo de mim e dos meus sonhos.
Precipitei-me. Precipitei-me
sobre o mundo e sobre os homens. E varro tudo à minha passagem. Sou o fim e o
princípio de tudo, quando quero, se quiser. Da forma como acabei, recomeço.
Entre a chuva.
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
Antílope II
Sinto nos músculos das pernas
um frémito que me lembra a vida
como réplicas eternas
do entrar sempre de fugida.
Sinto nos olhos o frio do vento
e nas mãos a erva húmida
descubro o peito crú ao relento
aguardando o fim da corrida.
Sinto no ventre as presas do meu predador
rasgada como um antílope
não morto mas em estertor
no chão que ainda treme do galope.
terça-feira, 2 de outubro de 2012
Do amor, das palavras e do poder.
Andava há semanas a meditar no poder de destruição das palavras. Andava a pensar que se te dissesse que te amava tu ganhavas o poder de me destruíres. E que, de alguma forma, se eu me mantivesse calada, o silêncio me protegeria. Sempre me movi pelo medo. Raramente contrariei este instinto cobarde. E agora descubro que me iludia propositadamente. Eu sempre soube que o verdadeiro poder não está nas palavras mas naquilo que as move. O que te deu o poder de me destruíres foi o facto de eu te amar, independentemente de o ter dito ou não. E também sei que quando eu te olhava nos olhos e pensava no quanto te amava tu sabias que era isso que eu estava a dizer com os olhos. E, ciente do poder que tinhas, soubeste que a única coisa que podias fazer com ele era precisamente destruir-me. Porque não me podias devolver esse poder e também não o podias guardar impunemente. Restou a única opção. E assim, tão facilmente, morri às tuas mãos.
sexta-feira, 8 de junho de 2012
desconcentrismo
o frio que tornava as minhas noites mais sós
e a minha cama demasiado grande para estar vazia
começa a recuar
aproxima-se o solstício
o calor vai-se insinuando nos meus dias
e a roupa torna-se escassa
e os tecidos tornam-se leves sobre a minha pele
estou cada vez mais nua
e a ausência dos teus olhos sobre as minhas coxas
mal cobertas por flores coloridas que esvoaçam
e tecidos que escorregam contra a gravidade
torna-se evidente demais
e insuportável
dispensava qualquer ajuste climático
as estações do ano deixaram de ser importantes
equinócios e solstícios significam apenas o passar do tempo
sem que nada altere o meu desejo
de que o tempo e o espaço se confundam
e uma vez mais deixem de ter significado
por estar no centro dos teus braços
no centro do teu corpo
no centro de ti
sábado, 5 de maio de 2012
Poema da boa menina
Tão boa menina.
Das coisas mundanas não só nunca estraga nada
como conserta tudo com mãozinha prendada.
E nunca, nunca desatina.
Nos dias em que, desconcentrada,
se desvia e lhe escapa a atenção
espalha-se em seu redor um círculo de destruição
e ela, aflita, deixa cair o coração na estrada.
Das coisas mundanas não só nunca estraga nada
como conserta tudo com mãozinha prendada.
E nunca, nunca desatina.
Nos dias em que, desconcentrada,
se desvia e lhe escapa a atenção
espalha-se em seu redor um círculo de destruição
e ela, aflita, deixa cair o coração na estrada.
terça-feira, 1 de maio de 2012
Poema do paradoxo verdadeiro
O exercício mental do sonho pragmático
é o meu alimento.
Talvez porque saiba lidar bem com a desilusão à força do
hábito,
ou talvez o hábito surja por insistir em iludir-me tanto.
As coisas simples são puros fascínios
talvez porque nunca tenham integrado nenhuns dos meus
desígnios.
Mas é o complicado que me apaixona,
o complicado desintegra-me
e a ele me entrego porque faz parte de mim.
Talvez por isso me sinta em casa quando estou triste.
Ou então fico triste quando estou em casa.
Seja como for, é assim.
No fundo, talvez seja a mesma coisa
e apenas eu que o complique
de tanto me querer apaixonada.
É uma espécie de cinismo romântico que nunca repousa
esta coisa de compreender perfeitamente o que sinto
e de o explicar até à exaustão
como enigmas tantas vezes decifrados e de novo recodificados.
Ouso ordenar os meus contrários em turbilhão.
Proclamo os meus segredos
a fingir que são a maior verdade de todas,
cada um deles a maior,
e consigo acreditar que são
porque sou mestre de mim própria.
Acredito nas ideias que inventei delirar
e coloco-lhes rótulos impensáveis
e organizo-as, cada uma em sua secção.
E posso pegar em tudo o que digo e invertê-lo
e é tudo verdade na mesma.
E mesmo entre bruma, consigo vê-lo.
É verdade. Eu não minto.
Na minha cabeça cabe tudo
e não há nada que eu não devore
sem precisar sequer de desapertar o cinto.
A minha fome nunca dorme,
é a única forma de me manter saciada.
É que o que quero é o querer em si,
mais nada.
E este amor ficcionado
por anti-heróis verdadeiros, a sério
é o que me traz a este inferno reservado,
é o que alimenta o meu mistério.
O chão é verdadeiro e fixo
mas o meu andar é sonhado.
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