terça-feira, 6 de novembro de 2012

História de caminhar sobre nuvens.


O caminhar sobre as nuvens assusta-me porque qualquer passo em falso é a queda para o infinito. O vapor de água que respiro enche-me os pulmões com um cheiro diferente do que estou habituada. Um cheiro bonito. Cheira a sonhos longínquos, sonhados apenas dentro de sonhos, porque nunca ousei sonhá-los acordada. E agora sinto-lhes o cheiro. Mas o vapor de água também me tolda a vista, já de si tão fraca, já de si tão idosa, que por ver tão mal, vê sempre mais do seria expectável. E eu vejo nos sonhos com as mãos e com o cabelo, principalmente, mas vejo também com o resto do corpo todo, porque os meus olhos não prestam e são um mero artifício estético. Por isso guio-me pelo resto, enquanto caminho a medo sobre as nuvens. No percurso desmapeado, a ausência de horizonte conspira com o excesso da pressão atmosférica para me comprimir o peito. Para comprimir os órgãos que vivem dentro do meu peito, em convivência difícil. Os meus órgãos invejam-se uns aos outros porque todos gostavam de experimentar sentir o que os outros sentem e só eu posso sentir tudo porque é só a mim que tudo isto pertence, soberana, tirana das minhas vísceras rebeliosas. O que todas elas sentem, o que carregam em comum, é o medo de mim e dos meus sonhos.

Precipitei-me. Precipitei-me sobre o mundo e sobre os homens. E varro tudo à minha passagem. Sou o fim e o princípio de tudo, quando quero, se quiser. Da forma como acabei, recomeço. Entre a chuva.

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