O caminhar sobre as nuvens
assusta-me porque qualquer passo em falso é a queda para o infinito. O vapor de
água que respiro enche-me os pulmões com um cheiro diferente do que estou
habituada. Um cheiro bonito. Cheira a sonhos longínquos, sonhados apenas dentro
de sonhos, porque nunca ousei sonhá-los acordada. E agora sinto-lhes o cheiro. Mas
o vapor de água também me tolda a vista, já de si tão fraca, já de si tão
idosa, que por ver tão mal, vê sempre mais do seria expectável. E eu vejo nos
sonhos com as mãos e com o cabelo, principalmente, mas vejo também com o resto
do corpo todo, porque os meus olhos não prestam e são um mero artifício
estético. Por isso guio-me pelo resto, enquanto caminho a medo sobre as nuvens.
No percurso desmapeado, a ausência de horizonte conspira com o excesso da
pressão atmosférica para me comprimir o peito. Para comprimir os órgãos que
vivem dentro do meu peito, em convivência difícil. Os meus órgãos invejam-se
uns aos outros porque todos gostavam de experimentar sentir o que os outros
sentem e só eu posso sentir tudo porque é só a mim que tudo isto pertence,
soberana, tirana das minhas vísceras rebeliosas. O que todas elas sentem, o que
carregam em comum, é o medo de mim e dos meus sonhos.
Precipitei-me. Precipitei-me
sobre o mundo e sobre os homens. E varro tudo à minha passagem. Sou o fim e o
princípio de tudo, quando quero, se quiser. Da forma como acabei, recomeço.
Entre a chuva.
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