quarta-feira, 28 de março de 2007

Uma fonte no deserto.

O chão à minha volta está seco. Se antes era lama, agora o sol endureceu-o. Está gretado do calor e as fissuras formam estranhos padrões. Não vejo nada senão isto, quilómetros em redor. Perco a noção das distâncias. A solidão é absoluta e o silêncio todo-poderoso. Primeiro sento-me e depois deito-me. Estico o corpo contra o chão quente e áspero. Fecho os olhos mas continuo a ver o sol através das pálpebras, vermelho e penetrante. Sinto os seus raios atravessar-me a pele, queimando-me os olhos, as pernas e os braços nus. Deixo-me invadir por sensações que não sei definir e experimento compreendê-las. Seria um réptil se a minha pele não fosse branca e frágil. E estaria bem se não fosse a secura na garganta e um subtil receio de contrair cancro da pele, receio que começa a tomar conta do meu cérebro aos poucos. Já não consigo concentrar-me nas sensações. Distraí-me delas. Por isso decido levantar-me. Primeiro sento-me e inspiro a ligeira aragem que passou por mim, breve e rara. Não consigo dizer a que cheira o deserto. Talvez não cheire a nada. Como me poderei recordar depois? Talvez o calor me faça lembrar. Agarro-me a esta esperança e ergo-me então, muito devagarinho. Começo a caminhar de costas voltadas ao sol, estudando a lentidão dos meus movimentos, planeando a forma de dar cada passo, fascinada pela minha graciosidade, por ser só para mim, já que estou sozinha e ninguém me pode ver. Nem eu me vejo, apenas me imagino, talvez por isso esteja especialmente bonita hoje. Observo os meus pés, que se movem quase em câmara lenta, e os braços, ora caídos ao longo do corpo, imóveis como o ar; ora oscilando, ondulantes como o calor. Quase flutuo, mas realmente está demasiado calor para isso. Quando chego à fonte, inclino-me calmamente para a água e bebo dela sem pressas, saboreando o que não tem sabor nem nome. Como se ninguém me esperasse e eu não tivesse mais nada para fazer.




"Pois eu," disse o Principezinho para si mesmo, "se tivesse cinquenta e três minutos para gastar como quisesse, dirigia-me devagarinho para uma fonte."

1 comentário:

Pires disse...

Adorei!!!! A descrição tá perfeita! E gostei da parte em que tás tão fora que reparas nos passos, etc, muito fixe ^^

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