Porque não tinha nada para fazer enquanto esperava, li um poema que tinha no bolso. Da ideia de fazer o tempo passar, já que morrer nunca morre. Comoveu-me o poema porque falava de solidão, entre outras coisas e entre nada, e eu sentia-me só. O frio também não ajudava. Estava um frio dos danados, já que dizem que no inferno faz calor. Os meus dedos nus, gelados ao frio, mal sentiam as folhas por entre si. E tinha de ler as letras cortadas entre os cabelos que o vento me empurrava para diante dos olhos. À bruto. Ah, bruto! Vento em bruto, e do frio, gélido, que é mais bonito, menos escuro. O gelo é mais claro que o frio. Mais branco, por causa da geada, ou até mesmo da neve. Mas ali até estava sol. Eu só estava à sombra porque escolhi sentar-me no banco de pedra cinzenta clara, a dar para o azul. E o azul ainda era mais frio que o branco, se calhar porque estava à sombra. E à minha frente estava um tapete de relva enorme. Muito comprido. Estava verdinho e bem tratado. Devia ter almoçado melhor que eu, que a sopa só estava morna. E batia o sol na relva. Sem força, devagar. Meigo como uma festa. Apeteceu-me ser um bicho para me deitar ali e espreguiçar-me. Quem sabe se dormir. Talvez sonhar. Mas morrer não me apetecia muito. Se bem que estava a morrer de frio. Mas não fui bicho, porque era pessoa e tive de fazer de conta que era isso mesmo. Fazer de bicho de conta e enrolar-me era melhor, mas não podia ser. Estava um bocado confusa, devia ser do sono, ou das palavras na cabeça que não me deixaram dormir. E levantei-me meio à toa, sem saber bem onde ia, mas só soube que não sabia no fim de me ter levantado e dado uns passos para lado nenhum. Já não me podia sentar no mesmo sítio agora, então. Dei uma volta ao bilhar grande, que é como quem digo à relva verde que tanto me apetecia. Vi que as escadas também estavam ao sol e fui lá. Eram brancas, deviam estar menos frias que o banco. Tinham um bocadinho de verde nos interstícios da pedra, da humidade. Do frio. Claro, eram de pedra, estavam tão frias como o banco. Mas pelo menos agora, então, o sol batia-me nas costas, se bem que eu não me importaria que fosse com mais força, que continuavam as minhas mãos a enrugar-se com o frio. Mas já que ali estava deixei-me ficar. A esperar o que faltava. Já não era muito e eu dali via o caminho. Ainda pude reler o poema, sem me preocupar. E pelo menos não choveu.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário