Era um cão com cara de gato. Tinha bigodes compridos e tudo. O pêlo cinzento, por vezes, parecia azul, talvez por causa da luz, o que fazia com que parecesse um cão de outro planeta. Isso e os olhos, que pareciam olhos de pessoa e faziam as pessoas que para lá olhavam arrepiar-se. Era um cão que ladrava como quem ri, uivava como quem chora e usava a cauda em forma de ponto de interrogação. Era um cão pançudo, que gostava de se espreguiçar ao sol, como um gato. Era um cão semeado; aparecia em todo o lado.
Para além das crianças, que achavam que ele era um extraterrestre, havia mais quem tivesse as suas teorias sobre o cão azul. Uns diziam que era um fantasma e assombrava as ruas. Outros achavam que era um demónio e dava azar a quem o visse. Outros ainda, diziam que dava sorte, porque era uma espécie de criatura mágica. Havia também quem dissesse que o cão era um anjo da guarda, um enviado dos céus para combater os maus e proteger os bons. Por último, pelo menos que se saiba, havia a teoria de que era uma pessoa reincarnada, por causa dos olhos. Nada de novo, portanto. Claro que no meio disto tudo, quem estava mais perto da verdade eram as crianças. Como sempre, aliás. Afinal, era um cão que se portava como quem não sabia nada e estava a descobrir tudo pela primeira vez. E pela forma como investigava minuciosamente todos os recantos, enfiando o seu nariz húmido e rosado, como os dos gatos, em todos os lugares onde conseguia chegar; bem que podia ter sido enviado de uma estrela distante para estudar o planeta Terra.
Era um cão que gostava de brincar. E que comia flores. Era um cão especial porque não tinha dono. Era livre e era selvagem como um lobo, mas era meigo como um gato de estimação. Era um cão que gostava de lamber as mãos às crianças e tinha uma língua áspera como as dos gatos, que fazia cócegas.
Andava uma noite a brincar com um pirilampo. Uma luzinha pequenina e amarela que piscava e brilhava no meio da escuridão. O cão ouvia o seu riso pequenino e achava que era uma fada. Porque até os cães sabem fantasiar. Pelo menos aquele sabia. Tentava tocar na luzinha com a sua pata azul, levantando-a à altura do seu focinho pontiagudo, como fazem os gatos quando brincam. Mas a luzinha do pirilampo era tão pequenina, tão pequenina, que o carro vermelho não a viu. E na manhã seguinte, a rua ficou mais triste, porque o pêlo fofo do cão era apenas cinzento. Tinha-se acabado o azul. E a língua áspera pendia-lhe inerte por entre os dentes afiados que costumavam morder as flores. Sem vida. Sem azul.