quinta-feira, 6 de abril de 2006

Amanhecer.

A noite extinguia-se diante dos teus olhos. Pensaste que seria o momento oportuno. Mas não sabias que caminho havias de tomar. Enquanto o negro do céu se tornava violeta e depois azul e as estrelas desapareciam aos poucos, ficaste a pensar. Havia tempo. Não muito, mas um pouco era o suficiente. Pelo menos até que surgisse a manhã. Pensaste em caminhar depressa, muito depressa, quase a correr, até casa. Antes que o brilho do sol te cegasse os olhos desabituados da luz, ao despontar. Podias fechar as persianas do teu quarto e dormir até ao fim da tarde, sem sonhar. O descanso absoluto. Mas sabias que não ias conseguir porque as insónias eram agora a excepção que se tornara regra. Constantes. Sentias até que eram praticamente a única coisa com que podias contar, que tinhas de certo na tua vida.
Em vez disso, escolheste outra rota. Levantaste-te cheio de calma, ainda que fosse uma calma auto-imposta, e sacudiste a areia das calças. Voltaste as costas ao ponto mais claro do céu, onde o sol ia nascer, trepando pelas ondas, e dirigiste-te devagarinho para uma esplanada. O café ainda estava fechado, mas tu não te importavas de esperar. Sentaste-te numa cadeira verde de plástico, sem te preocupares com a humidade da noite que se acumulara no assento, e puxaste de uma folha de papel do bolso interior do teu casaco de camurça. Procuraste a caneta e quando a encontraste começaste a escrever uma carta. A folha colava-se à mesa meio molhada, mas estavas tão concentrado nas palavras que nem notaste. Era uma carta do teu eu para ti. Como se te dividisses em dois e isso te tornasse mais completo. Também não te apercebeste do aumento gradual da intensidade da luz que incidia nas tuas palavras escritas avidamente e só ao pousares a caneta é que viste que já era de dia.
Tal como a carta, também tu estavas pronto. Não para começar de novo, mas para continuar de forma diferente. O que ficava para trás continuava a ser importante mas o que tinhas pela frente, ou o que podias fazer disso, prometia ser muito melhor.
Levantaste-te da cadeira, ainda com o café fechado, e andaste muito depressa, quase a correr, até casa. Entraste no teu quarto, descalçaste-te e despiste o casaco. Mas em vez de te deitares para tentar dormir, foste até à cozinha fazer o pequeno-almoço. Estavas mais acordado do que nunca. O que escreveste não importa. Afinal, era só para ti. Mas sei que no final do dia, quando finalmente te deitaste, dormiste o melhor sono da tua vida, desde criança. Sem qualquer lembrança de insónias.

2 comentários:

Anónimo disse...

Só depende de nós mesmo mudar a rota da nossa vida. Só o nosso "eu" pode ajudar o nosso "outro" e ser completamente eficaz.

Anónimo disse...

Menina, tudo o que escreves tem o teu selo. Espero que nunca te esqueças da importância de escrever porque senão vais ter-me à perna... porque uma vida sem pessoas a escreverem como tu não é vida!