O meu camarote dá para a arena,
binóculos dourados auxiliam o pormenor,
observo cuidadosamente cada golpe, serena.
A lógica combate a paranóia com ardor,
a força e o medo cruzam armas,
sem que saia alguma vez um vencedor.
E no meio destas tramas
perdeu-se a verdade, oculta em olhos implacáveis,
mas tão simples, tão elementar, tão evidente,
na base pura de desejos inolvidáveis.
Foi pronunciado em voz sonora e ardente,
num instante de distracção,
despreocupado, inconsequente.
Não era mais que uma pequena culpa em admissão
não pensada e inocente.
Devia ter cuidado com o que desejo.
Devia ter cuidado com o que penso.
Devia ter cuidado com o que sinto.
Devia ter cuidado com o que vejo.
Devo ter visto coisas que não aconteceram.
Devo ter ouvido coisas que não se pronunciaram.
Devo ter sentido…
Ah, o real.
É apenas isto, genial.
O que interessa é o ritmo cardíaco,
não contes palavras, conta as pulsações.
Não será completamente ridículo
se acreditares que o sangue é o barómetro das emoções.
E a pressão nas minhas veias é perigosa,
sempre foi,
mas hoje, especialmente, sinto estranhas combustões
contorcendo-se numa agonia extremosa.
A arena revolta
abriga os corpos em decadência,
cadáveres de outro tempo
não mortos mas em dormência.
E as dúvidas que combatiam o alento,
divertem-se com a minha impaciência.
O pobre jaz agora ensanguentado
debaixo do meu olhar parado.
sábado, 23 de julho de 2011
segunda-feira, 4 de julho de 2011
Poema de me roubares a ordem
O que foi leve torna-se insuportável.
Podia ter sido simples, uma doçura fugaz,
mas, descubro agora, perdura numa acidez indelével.
E a sensação de flutuar é uma memória atroz.
Tentei segurar o peso de saber a verdade
e acabei agrilhoada a uma ideia de liberdade.
Procurei com tal ardor mantê-la organizada e intacta
que não soube distinguir o limiar da obsessão
e atravessei as portas todas numa caminhada exacta.
Onde me trouxe está a danação.
Quando pensei que recuperava a nitidez no olhar
distraí-me nisso, esquecida de que haviam outros sentidos.
Foi um perfume no ar,
um sabor na minha língua,
a recordação táctil nas pontas dos dedos,
a minha humanidade completa a chiar de míngua.
E de tanto desejar o vazio,
de implorar a ausência de alma,
de sussurrar no escuro com medo do silêncio,
aprendi a derrotar o meu carcereiro.
Amor, amor,
eu tinha chegado primeiro.
Podia ter sido simples, uma doçura fugaz,
mas, descubro agora, perdura numa acidez indelével.
E a sensação de flutuar é uma memória atroz.
Tentei segurar o peso de saber a verdade
e acabei agrilhoada a uma ideia de liberdade.
Procurei com tal ardor mantê-la organizada e intacta
que não soube distinguir o limiar da obsessão
e atravessei as portas todas numa caminhada exacta.
Onde me trouxe está a danação.
Quando pensei que recuperava a nitidez no olhar
distraí-me nisso, esquecida de que haviam outros sentidos.
Foi um perfume no ar,
um sabor na minha língua,
a recordação táctil nas pontas dos dedos,
a minha humanidade completa a chiar de míngua.
E de tanto desejar o vazio,
de implorar a ausência de alma,
de sussurrar no escuro com medo do silêncio,
aprendi a derrotar o meu carcereiro.
Amor, amor,
eu tinha chegado primeiro.
sábado, 2 de julho de 2011
Da ilimitação imaginária.
Principiamos por desejar o real. Desejamos o que podemos ver. Depois de o possuirmos arriscamos imaginar o impossível. E, de repente, damos por nós a desejá-lo, damos por nós a desejar o impossível, porque podemos vê-lo na nossa mente. E dá-se um fenómeno qualquer, em que a partir do instante em que o desejamos, deixa de ser impossível.
Foi um vislumbre de qualquer coisa que nos deixou petrificados, foi um reflexo na água, um gesto pequenino que mudou a nossa concepção do universo, um tom de voz mais invulgar, um sítio qualquer onde chegámos sem saber que era para lá que estávamos a ir mas quando chegamos percebemos que não havia nenhum outro lugar onde quiséssemos mais estar. Esse deslumbramento breve deixa uma impressão gravada no corpo, qualquer coisa que se agita de vez em quando, ou para sempre, talvez se agite para sempre de vez em quando. E não sabemos como chamar a isso, porque é misterioso e não tem contornos. Não tem limites. Porque principiou por ser imaginado.
A minha imaginação é a minha maldição.
Foi um vislumbre de qualquer coisa que nos deixou petrificados, foi um reflexo na água, um gesto pequenino que mudou a nossa concepção do universo, um tom de voz mais invulgar, um sítio qualquer onde chegámos sem saber que era para lá que estávamos a ir mas quando chegamos percebemos que não havia nenhum outro lugar onde quiséssemos mais estar. Esse deslumbramento breve deixa uma impressão gravada no corpo, qualquer coisa que se agita de vez em quando, ou para sempre, talvez se agite para sempre de vez em quando. E não sabemos como chamar a isso, porque é misterioso e não tem contornos. Não tem limites. Porque principiou por ser imaginado.
A minha imaginação é a minha maldição.
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